* Rogério Bonato
Argemiro dos Santos, o Marujo, foi uma figura ímpar, pensá-lo é uma maneira de recompor a aura iguaçuense. Falar da história da cidade sem citá-lo, ou consultá-lo, era uma temeridade, porque além de conhecer os fatos, os narrava com riqueza de detalhes, foi assim quando me ajudou a construir Ara’puka, meu primeiro ensaio sobre a região, sua colonização e os aspectos que vivenciei nos anos 80. Meu amigo Marujo ajudou a reconstituir, com justiça, a figura do pintor primitivista e marinheiro Antônio Cabral de Mendonça.
No mais, Marujo era a simplicidade, humildade, uma vida resgatada da impressionante narrativa, do premiado “Menino 23”, diga-se uma lembrança muito desconfortável. Eu peço licença para saltar sobre o filme, mesmo fazendo uso do impressionante e maravilhoso trabalho dos fotógrafos Thiago Lime, Mário França e Lula Cerri, porque prefiro lembrar, aqui, o Marujo dos iguaçuenses, inclusive reconhecido como Cidadão Honorário. Há uma desproporção na honraria; ele abraçou muito mais a cidade do que ela deveria tê-lo abraçado. Mas enfim, a vida é assim, passa, e, um dia chega ao fim.
Em certa ocasião, acompanhei os saudosos Toninho Cirillo e Mário Du Trevor, até um bar que ficava na Rua Jorge Sanwais, exatamente onde hoje há o estacionamento da UDC. Era uma casinha de madeira, pintada de azul claro, onde os frequentadores jogavam sinuca naquelas mesas de colocar fichas. O bilhar parou e o ruído das bolas deu lugar à música. Todos foram para o lado oposto do ambiente e lá estavam José Leopoldino Neto, Toto Palma, sargento Rachid, Roberto Simões, Raul Quadros, o professor Mosquito, Mário Du Trevor e o Marujo, com seu trompete e ao lado o filho “Baca”, um grande baterista, que se foi em 2001. Foi uma noite inolvidável e pelo visto, até os vizinhos aprovavam, porque naqueles tempos as pessoas abriam as janelas e de debruçavam contemplando as canções e serenatas.
Aos sábados íamos à Banca do Abel, convencionada como o segundo endereço da confraria denominada “Garganta do Diabo”. Não era raro encontrar por lá o Marujo, com o seu instrumento de sopro e ele até dava uma canja. O motivo de sua presença, era o fato do bar ficar próximo ao Cemitério São João Batista e casualmente, quando algum amigo falecia, o Marujo fazia as honras no momento do enterro; se fosse um militar era toque de silêncio, dependendo, seriam canções lendárias, como Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro (Braguinha).
A propósito, numa visita de Braguinha, com sua esposa Astrea, à Foz, passei pela casa do Marujo e lá estava ele acomodado em sua cadeira na varanda. Fui entrando, ele sorriu e saiu correndo para buscar o trompete. Correram lágrimas de todos, a começar pelo autor. Foi uma visita rápida, mas coberta de emoção.
Com a idade avançada, mas com as lembranças vivas, dava uma vontade imensa de ir visitar o Marujo, mas era muito complicado imaginar que a visita romperia a sua zona de conforto. Mas eu dava um jeito; me sentava numa das mesas do extinto Pacová, a que dava para a lateral de sua casa de onde ele mandava ver no trompete, aos finais de tarde. O curioso é que os músicos do bar, paravam, enquanto o marujo tocava. Era aplaudido de pé por quem estava lá.
Fico pensando: como o Argemiro Marujo foi o último de sua marcante geração, ficou difícil de alguém soprar uma melodia em seu funeral. Certamente o vento o embalou com as mais lindas canções que podemos imaginar, como fossem ondar de um mar infinito a navegar. Aqui vai o meu abraço e meus mais profundo sentimento de pesar à dona Guilhermina, com quem o Marujo desfrutou 69 anos, também aos filhos Fátima e Darlei dos Santos.
* Rogério Bonato é jornalista e publicitário em Foz do Iguaçu.
Texto publicado originalmente em http://gdia.pg1.com.br/post/um-singelo-adeus-ao-marujo.
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