H2FOZ – Paulo Bogler
O escritor brasileiro Guimarães Rosa gostava de “inventar” palavras. Sussurruído, por exemplo, é uma de suas criações. Esse neologismo agora dá nome à banda iguaçuense que acaba de lançar o EP Cautela Às Urtigas, com cinco faixas; uma delas, disponível em videoclipe.
Sussurruído, a banda de Foz do Iguaçu, também gosta de brincar com a linguagem – e reinventá-la. Para isso, vale-se de uma profusão criativa alimentada pela geografia humana cultural particular das Três Fronteiras, temperada com as influências sonoras dos ídolos do grupo, que estão em uma lista que inclui Sonic Youth e Pavement.
O trabalho assenta “melodias doces sobre os ruídos ásperos”, para ser original, ter identidade e fugir do clichê. Plural, a banda passeia pelo pós-punk, rock e indie das décadas de 1980, 1990 e 2000, mantendo um pezinho na “psicodélica à brasileira e tropicalismo”. A viagem revisita os tempos da música na tevê, com a MTV, e a épica cultura da fita VHS.
Cautela Às Urtigas é o segundo trabalho da banda, em atividade desde 2017. A Sussurruído é composta por Felipe Diniz (guitarra e voz), Iago Könhlein (guitarra) e Igor Könhlein (baixo).
Para a produção do EP, os músicos contaram com a participação especial de Bruno Vaz (bateria), Rafa Gonzalez (guitarra solo em Simples Cidade e Indiferente) e Mauri Gauer (synths em Interlúdio).
“Nossa primeira formação possuía um argentino, dois paraguaios e um brasileiro, representando muito bem o que é estar vivendo e produzindo música hoje aqui”, conta o vocalista e guitarrista Felipe Diniz. “A fronteira imaginária que separa a nossa cidade de Ciudad del Este e Puerto Iguazú não separa o trânsito e o intercâmbio cultural típico da região”, reflete. Ah, falando em integração, Felipe ainda lembra que compram equipamentos musicais no Paraguai.
O Cautela Às Urtigas foi gravado entre fevereiro e junho de 2019, no Oceano Music Studio. Todas as faixas são compostas por Felipe Diniz e a banda Sussurruído. O show de lançamento será no dia 26 de outubro, na Casa Urbana, espaço alternativo iguaçuense que privilegia a música autoral.
O público pode conferir as canções no site www.sussurruido.com.br, com acesso a quase 15 plataformas digitais e serviços de streaming. Ainda é possível buscar os links das músicas nas redes sociais da banda.
Sobre o EP Cautela Às Urtigas, música autoral e literatura, tudo misturado, o H2FOZ entrevistou o vocalista e guitarrista Felipe Diniz, da Sussurruído. Confira os principais trechos da conversa:
Influência da fronteira
“Nossa primeira formação possuía um argentino, dois paraguaios e um brasileiro, representando muito bem o que é estar vivendo e produzindo música hoje aqui. A fronteira imaginária que separa a nossa cidade de Ciudad del Este e Puerto Iguazú não separa o trânsito e o intercâmbio cultural típico da região. Crescemos nesse cenário. E também compramos equipamentos no Paraguai [risos].”
Guimarães Rosa
“Eu adquiri um exemplar de Primeiras Estórias, e num dos contos encontrei esse neologismo. Naquele, então, eu gestava parte significativa do repertório da banda, e o projeto ainda não existia, então o guardei bem para que fosse a primeira opção de nome da banda, que anos depois sairia do papel. Esse neologismo abarca dois pontos explorados nas nossas canções e faz menção a um gênio criativo da literatura brasileira que nasceu no mesmo dia que eu.”
“Melodias” e “dissonâncias”
“Esse recurso é empregado por diversas bandas que gostamos; Sonic Youth e Pavement são exemplos disso. Escapar daquilo que Almir Chediak chamava de clichês harmônicos é bastante interessante. A bossa nova avançou muito por esse caminho, só que num nível de sofisticação e requinte que se opõe ao nosso estilo. Quando experimentamos as melodias doces sobre os ruídos ásperos ou outros efeitos menos convencionais, isso enriquece a composição e dá novas texturas.”
Cautela Às Urtigas
“O título é uma espécie de alerta ao inverso, como quem diz, ao que quer que venha a oferecer perigo, que tome cuidado. Na capa feita pelas mãos talentosas e apuradas da Débora Berté, isso ganha outra interpretação. Sua Lilith ostenta um buquê de urtigas, que mesmo apesar da dor ela resiste e vive, enquanto as plantas não.”
Da nostalgia ao atual
“Primeiramente, o público pode esperar ter em mente que nossas músicas podem conter traços nostálgicos, remetendo-as aos tempos áureos da MTV, VHS, com a pluralidade sonora desenvolvida principalmente na década de 90 pelas bandas de pós-rock alternativo da época, com um pezinho na psicodélica à brasileira e tropicalismo.”
“Também é possível esperar por assimilar desse registro a dependência de muito mais de suas histórias pessoais para a interpretação das imagens e mensagens presentes ao longo da audição. Para tanto, é preciso estar atento aos detalhes narrados e, sobretudo, escutar na íntegra para que se possa por si só captarem aquilo reflita a si mesmo nas nossas canções, que assim é criado um laço afetivo com nossa proposta.”
Identidade
“Nosso trabalho e intuito neste disco foi atender as nossas próprias expectativas sobre encontrar, amadurecer o som e sua identidade, tanto como músicos quanto como uma unidade dentro da banda, e isso foi alcançado dada a autonomia que tivemos para sua feitura, criando uma espécie de conceito rústico bem-acabado com o que tínhamos à disposição em termos materiais e subjetivos.”
“Com exceção de 312, canção que fecha o EP e última a ser composta, todas as músicas vêm sido apresentadas em nossos shows, e por terem um fio condutor que as ligam decidimos explorar elas de acordo com nossas pretensões, limitações de recursos financeiros e de tempo.”
Palavras nos Muros
“Contamos com a ajuda da supercompetente Yasmin Rahmeier, cineasta iguaçuense radicada em Curitiba, para a produção do clipe. Somos amigos de longa data, temos gostos parecidos, e ela se interessou o suficiente pelo projeto e por essa estética noventista da banda, tanto que ela aceitou colaborar conosco e valorizar ainda mais o material que produzimos.”
“Palavras nos Muros é uma música bastante curta e direta ao ponto, cheia de referências audiovisuais na letra, com algum apelo pop de fácil assimilação, por isso foi eleita como single e clipe nesse primeiro momento.”
Urbanidade, existência & etc.
“Imediatamente assume desde seu título a simpatia com a arte urbana como ato político por meio do grafite e pixo, que é muitas vezes subvertido ao terrorismo poético do vandalismo. No embate com a negação da massa frente a essa movimentação que ocupa e invade os espaços urbanos com arte e afronta.”
“Na perspectiva do indivíduo transeunte que faz seu caminho diário para existir entre os que meramente sobrevivem. Noutro plano, tece críticas ao modelo adotado aos que não usam de sua visibilidade e influência para a formação de uma consciência coletiva, limitando-se aos interesses particulares de acúmulo, idolatrando o já consagrado e sem pretensão de serem o que poderiam.”
Autoral
“São muitos os desafios em se fazer música própria, mas o principal continua sendo a desunião entre a maior parte dos músicos, que não permite um fomento próspero e a formação daquilo que chamaríamos de ‘cena’. Felizmente temos a Bronca e a Mil Réis como parcerias especiais, que com seu esforço, talento e humildade dão vida ao circuito autoral da cidade.”
Nas redes
“Como é muito oneroso produzir mídias físicas e não temos apoio, tudo o que produzimos até agora saiu do nosso bolso, por isso optamos por disponibilizar o EP somente nas plataformas digitais.”
Ficha técnica
Cautela Às Urtigas, da banda Sussurruído
Músicas: Palavras nos Muros, Simples Cidade, Indiferente, Sexo Alivia a Tensão e o Amor Causa Isso e 312
Integrantes da banda: Felipe Diniz, Iago Könhlein e Igor Könhlein
Participações especiais: Bruno Vaz, Rafa Gonzalez e Mauri Gauer
Produção: George Daluz & Sussurruído
Captação, mixagem e masterização: George Daluz
Concepção artística: Débora Berté
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