Ponte da Amizade aberta: pandemia aumenta em Foz e diminui em Ciudad del Este. E agora?

Os paraguaios é que deveriam ter medo de contágios, se fosse o caso. Na verdade, há mais casos em Foz porque aumentou o relaxamento social na cidade.

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H2FOZ – Cláudio Dalla Benetta

O aumento do número de casos de covid-19 em Foz do Iguaçu, na última quinzena de outubro, preocupa as autoridades e os setores de saúde do município. Há até quem responsabilize a abertura da Ponte da Amizade como um dos fatores para o incremento da pandemia.

Mas o Paraguai, que sempre apontou o risco de o vírus se espalhar depois que fossem abertas as fronteiras com o Brasil, está confiante nas medidas adotadas para evitar o avanço de casos em Alto Paraná, onde fica Ciudad del Este.

O ministro de Saúde Pública do Paraguai, Julio Mazzoleni, em entrevista coletiva nesta sexta-feira, 30, em Assunção, informou que Alto Paraná tem hoje uma cifra muito baixa de casos.

Segundo ele, até o momento, desde que foi decretada a reabertura da Ponte da Amizade, não se observa nenhuma tendência de aumento.

“Não temos nenhuma mudança em Alto Paraná. Continuam ocorrendo poucos casos. A ocupação de leitos é muito baixa. Mas é preciso ter cautela porque alguma mudança pode ser observada a partir da terceira semana (da reabertura da ponte)”, disse o ministro, segundo o jornal La Clave.

A terceira semana pós-reabertura começou nesta sexta-feira, 30. De acordo ainda com Mazzoleni, as fronteiras do Paraguai com o Brasil “recebem milhares de pessoas diariamente, mas  a coordenação no respeito às normas permite o controle da situação”.

Os números de que dispõe o Ministério de Saúde do Paraguai garantem esta relativa tranquilidade. Os casos em Alto Paraná, desde o dia 15, quando a Ponte da Amizade foi reaberta, diminuíram, ao invés de aumentar.

Havia 397 casos ativos no dia 17, em 16 municípios, e uma semana depois passaram para 342, 180 deles em Ciudad del Este.

Em Foz do Iguaçu, ao contrário, os casos ativos subiram de aproximadamente 200 para os 441 registrados na sexta-feira, 30.

Brasileiros em Ciudad del Este. Tendência é que venham agora os turistas. Foto Wilson Ferreira/Última Hora

A diferença nos dois lados

O médico Hugo Kunzle, diretor da 10ª Região Sanitária, que abrange os municípios de Alto Paraná, disse que se reuniu com seus pares de Foz do Iguaçu, e destacou a diferença da situação entre as duas cidades.

“Em Ciudad del Este os números vêm diminuindo de maneira sustentável, as consultas, a ocupação de leitos, normais e de UTI, mas em Foz se observa que há um aumento de casos positivos há quatro semanas”, disse ao jornal Última Hora.

O médico paraguaio disse que a mudança em Foz começou a ser observada duas semanas antes da reabertura da ponte, e é “algo que realmente nos está chamando a atenção”.

Em Ciudad del Este, informou Kunzle, o número de novos infectados se mantém entre 20 e 50 ao dia, como era antes da abertura da fronteira. “Nos mantemos com números bastante alentadores deste lado da ponte”, comentou.

Mas ressalvou que, “sempre que há uma oportunidade de aglomeração, isso preocupa. Então, temos que seguir insistindo nas medidas sanitárias, no uso correto de máscaras, no distanciamento de mais de dois metros, desde que entram no país, e na constante lavagem de mãos”.

Leitos de UTI

Apesar do temor de que, com o aumento de casos, houvesse maior ocupação de leitos de UTI, em Foz, isso não aconteceu. A Vigilância Epidemiológica, em seu último informe, registra que, dos 75 leitos de UTI existentes, 44 estão ocupados, o que representa 58,67% do total. Há duas semanas, o índice era ligeiramente superior a 60%.

No Hospital Integrado Respiratório de Ciudad del Este a ocupação de leitos de UTI também diminuiu nas últimas semanas: metade dos 46 está disponível, segundo informou ao jornal ABC Color Ana Rolón Jara, diretora do Instituto de Previdência Social, que mantém o hospital.

Segundo ela, em outubro também diminuíram as consultas por doenças que poderiam ter relação com a covid-19.

O último registro oficial do Ministério de Saúde Pública do Paraguai, divulgado na quarta-feira, dia 28, revela que o departamento de Alto Paraná teve apenas sete novos casos da pandemia, naquele dia, um dos mais baixos do país.

O que diz a Prefeitura

Embora esteja convencido de que a abertura da fronteira é um dos motivos para o aumento de casos de covid-19 em Foz, o vice-prefeito Nilton Bobato disse que ainda não está sendo estudada nenhuma medida para conter a pandemia.

“Neste momento estamos priorizando o rastreio dos casos, compreendendo as causas (abertura da ponte) e monitorando a ocupação de leitos hospitalares. Não há nenhuma medida extraordinária ainda”, respondeu Bobato a uma consulta do H2FOZ, via Whats.

A assessoria de imprensa da Prefeitura, por sua vez, complementou informando que o município não tem intenção de montar barreiras sanitárias, porque elas “se mostraram ineficazes”. Também não há intenção de fazer lockdown.

Atendimento a paraguaios ou brasiguaios

O hospital pode ter quatro pacientes paraguaios, mas que apresentaram documentos brasileiros. Seriam brasiguaios, portanto.

O grande temor demonstrado publicamente pelas autoridades de saúde de Foz do Iguaçu é que os paraguaios procurem ajuda sanitária aqui, o que poderia colapsar o sistema de saúde e até levar à falta de leitos de UTI. Mas, novamente, os números não apontam nesse sentido.

A repórter Denise Paro apurou, junto ao Hospital Municipal Padre Germano Lauck, que um total de 106 paraguaios – ou que lá residem – procurou atendimento ou fez testes de covid-19 em Foz, desde o início da pandemia, 24 dos quais após a reabertura da fronteira.

É preciso desconsiderar 82 desses paraguaios ou brasiguaios de antes da reabertura, porque a fronteira estava fechada e, portanto, procuraram ajuda aqui por não ter acesso ao Paraguai.

Quanto a esses 24 pós-reabertura, representam menos de duas pessoas por dia. Além do mais, a Secretaria Municipal de Saúde diz que a maioria dos paraguaios, quando busca atendimento, apresenta documentos brasileiros e até carteirinha do SUS.

Por um acordo que o Brasil assinou com os países do Mercosul, os moradores de fronteira têm direito a procurar ajuda médica em um ou outro lado. Além do mais, como têm documentos brasileiros, quase a totalidade dos que procuraram ajuda são brasiguaios, isto é, brasileiros que moram no Paraguai, migrantes brasileiros ou seus dependentes.

O Hospital Municipal teria quatro pacientes internados que são residentes no Paraguai, paraguaios ou brasiguaios, mas isso não pode ser confirmado pela instituição, por não ser de sua alçada.

Maior procura

Em matéria da Prefeitura distribuída há alguns dias, o gerente do Laboratório Municipal, Rafael dos Santos, disse que a procura por informações ou para fazer triagem no Hospital Municipal está hoje semelhante à do mês de julho, “quando vivemos um pico da doença”.

Houve também aumento nos testes feitos pelo laboratório, com uma média de 250 coletas de RT-PCR por dia.

Rafael dos Santos contou que houve um acréscimo no atendimento a pessoas vindas do Paraguai, mas, segundo ele, não é isso que está provocando um grande aumento na procura por serviços de saúde relacionados à covid-19.

“Tivemos um feriado importante, em que as pessoas não se cuidaram, se aglomeraram e os impactos estamos vendo agora. Temos outro feriado em breve (2 de novembro) e isso deve gerar impactos ainda maiores”, previu o especialista.

Os números, sempre eles

Baseados em números oficiais, dos setores de saúde de Foz do Iguaçu e do Paraguai, é possível tirar conclusões da comparação entre a situação na nossa cidade e no país vizinho.

Por exemplo: Alto Paraná, que tem 734 mil habitantes, registrou 7.157 casos de covid-19 desde o início da pandemia até o último dia 28. Foz do Iguaçu, naquele mesmo dia, tinha 9.140 casos. Isto é, embora a população de Alto Paraná seja quase três vezes maior do que a de Foz, a cidade tinha 1.983 casos a mais.

Situações são diferentes em cada lado da fronteira. Foto Patrícia Iunovich

Foz tem mais casos que o Paraguai

Vale mais uma comparação: a população paraguaia é de aproximadamente 7 milhões de habitantes, quase 27 vezes maior do que a de Foz. O número de casos (62.596, até sexta, 30) é menos de 7 vezes maior do que os de Foz (9.402). E o número de mortos pela doença (1.387) não chega a ser 10 vezes maior do que em Foz (142).

No Paraguai, as estatísticas mostram que há 894,2 casos a cada 100 mil habitantes.

Em Foz do Iguaçu, são 3.671 casos a cada 100 mil habitantes, quatro vezes mais.

No Paraguai, são 19,8 mortes a cada 100 mil habitantes.

Em Foz, são 54,6 mortes a cada 100 mil habitantes, 2,7 vezes mais que no Paraguai.

A letalidade (mortes pela doença em relação ao número de casos) é mais baixa em Foz (1,5%) do que no Paraguai (2,2%), exatamente porque a proporção de casos na cidade é 4 vezes maior que no país vizinho, enquanto o número de mortes é 2,7 vezes superior.

Outubro, pior mês?

Outubro pode ultrapassar setembro em casos e mortes, em Foz do Iguaçu. Mas, se isso acontecer, a diferença será pequena. O que houve, de fato, é que na segunda quinzena deste mês a pandemia recrusdeceu. E isso coincidiu com o feriadão de Nossa Senhora Aparecida, no dia 12, e com a reabertura da Ponte da Amizade, no dia 15.

Mais uma vez, recorramos aos números, que vão confirmar: outubro não está sendo diferente de setembro.

Veja esse infográfico feito com dados da própria Prefeitura:

 

 

Quando terminou setembro, 42 pacientes tinham morrido de covid-19. Até esta sexta-feira, 30, morreram em outubro 39 pacientes (o infográfico não está atualizado). Significa que, no final do mês, o número será igual ou até menor do que no mês passado.

Em casos, setembro encerrou com 2.173; o acumulado, desde março, ficou em 7.248. Nesta sexta, o acumulado atingiu 9.402 casos. Ou seja, em outubro, até agora, foram 2.154 casos novos. Conclusão: o acréscimo de outubro sobre setembro também será pequeno. E, em setembro, vale lembrar, as fronteiras estavam fechadas.

É só observar

O uso errado da máscara equivale
ao que faz esta menina.

Pelos números (oficiais) que apresentamos, é possível concluir que a reabertura da fronteira teve pouca ou nenhuma influência no aumento de casos de covid-19 em Foz do Iguaçu, e muito menos em Ciudad del Este.

É bem mais provável – quase certeza, na verdade – que acontece em Foz o fenômeno do relaxamento social. É o que se vê nas ruas e logradouros públicos: aglomeração e falta de cuidados, como não usar máscaras ou uso de forma errada, com o nariz “de fora”.

Até nos supermercados, que eram cuidadosos a ponto de medirem temperatura de cada cliente e colocarem à disposição álcool em gel, nota-se que houve no mínimo um “esquecimento” dessas normas.

Não se mede mais a temperatura e os recipientes com álcool em gel – como aqueles em que se aperta um pedal – quase sempre estão vazios.

Quanto aos clientes, não respeitam o distanciamento, usam a máscara porque é obrigado, mas sem atentar à utilização correta, e ninguém lhes chama a atenção.

E os jovens continuam a fazer as “festas da covid”, nos bares e terrenos baldios, onde se aglomeram, se abraçam, se beijam, bebem e fumam como se não houvesse amanhã.

Pode estar faltando fiscalização e mais orientação, que deve começar com quem vem do Paraguai pela Ponte da Amizade e prosseguir nas ruas, nos comércios, nos bares e nos loteamentos que servem para festas da covid e da dengue, já que o resultado, depois de noitadas, é muito lixo abandonado.

Os últimos números de Foz

O informe da Vigilância Epidemiológica de sexta-feira mostra que Foz do Iguaçu acumula 9.402 casos de covid-19 e 142 mortes.

A média móvel de casos indica que, na semana até sexta-feira, foram 116 casos por dia, superior à média móvel de 14 dias atrás.

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