Percalços do Nosso Tempo

Corria o ano da desgraça de 81, ou seja, o décimo sétimo do golpe de 64. Pediram para eu relatar algo desses tempos. Mas para que revolver o passado? Porque do passado extraímos as lições para melhor enfrentar os problemas e preparar o futuro.

Antônio Vanderli Moreira 

Corria o ano da desgraça de 81, ou seja, o décimo sétimo do golpe de 64. Pediram para eu relatar algo desses tempos. Mas para que revolver o passado? Porque do passado extraímos as lições para melhor enfrentar os problemas e preparar o futuro. 

Corria o ano de 1981 e Foz do Iguaçu, área de segurança nacional, ainda vivia o clima tenso do terror da ditadura. Alguns profissionais de imprensa ousavam agir com independência mas sofriam de imediato a perseguição política. Antes alguns pequenos jornais independentes surgiram mas agüentaram pouco tempo. 

No ano de 1980, um grupo de opositores do regime e alguns dissidentes que já surgiam resolveram fundar um jornal ao qual deram o nome de “Nosso Tempo”. O peso do coturno do coronel interventor já se fez sentir. O prefeito e seu grupo procuravam de todas as maneiras sufocar o jornal para que parasse de funcionar. Os comerciantes que anunciavam eram ameaçados. Ao surgirem as pressões, alguns retiram-se da sociedade.

Como o hebdomadário continuava em atividade, apertaram o cerco. A Delegacia Regional do Trabalho, por ordem do General Massa, instaurou procedimento e o Delegado de Polícia Federal De Faveri baixou a portaria nº 202/81/DPF/FI, dando início a Inquérito Policial contra as pessoas que centralizavam as ações do jornal “Nosso Tempo”. 

Eram elas o Juvêncio Mazzarollo, o João Adelino de Souza, o Aluízio e o Jessé. A acusação era de exercício irregular da profissão, por não possuírem registro de jornalista. Foram incursos no artigo 47 da Lei de Contravenções Penais. No dia 30 de setembro de 1981, às 14h30, os acusados e seu defensor compareceram à então Divisão de Polícia Federal para interrogatório. Lá ficaram durante horas esperando pelo delegado, que não os atendeu. 

Estupefatos souberam depois que foram dados como ausentes, ouvindo o delegado apenas dois inspetores do trabalho. Na seqüência, considerando “imprestável o procedimento administrativo da DRT”, o Juiz Federal remeteu o feito para a Justiça Estadual. 

Em sua defesa prévia, Juvêncio, Aluízio, Adelino e Jessé argüíram, entre outras matérias, que o processo não poderia ser da iniciativa da Delegacia Regional do Trabalho e que não foram apregoados na Polícia Federal, que o delegado premeditou a “revelia” que não houve. 

Provou-se na instrução processual que a autoridade policial forjou a revelia, que não exerciam ilegalmente a profissão. O jornalista Walter Aricoli explicou ainda a causa do processo: “as autoridades ditas constituídas de Foz do Iguaçu passaram a perseguir politicamente os acusados em função de seus posicionamentos ideológicos”. 

Ficou evidente a nulidade do processo por falta de representação do sindicato, pela revelia inexistente que importava em cerceamento defesa, por falta de apresentação de réu preso (Juvêncio já estava preso por ordem da Justiça Militar), verificando-se ainda a prescrição. Mas a juíza sentenciante, que pelo menos em um outro processo já aceitara intromissão dos donos do poder, condenou Juvêncio, Aluízio, Adelino e Jessé a pagarem multa por infração ao artigo 47 da Lei de Contravenções Penais. 

Mais esta injustiça só não se consumou porque o Tribunal de Alçada do Paraná reconheceu as nulidades e decretou a prescrição da ação penal pelo acórdão nº 8044, onde se lê: “Na verdade foram feridos os princípios constitucionais da amplitude da defesa e do contraditório consagrados nos §§ 15 e 16 do artigo 153 da Carta Magna, fulminando o processo por nulidades insanáveis tanto por ser forjada a revelia quanto por ter havido o cerceamento de defesa pela não inquirição das testemunhas de defesa arroladas na defesa prévia, cujo prejuízo ficou evidenciado”. 

Disso tudo fica a lição de que os direitos constitucionais somente são respeitados quando se tem um Poder Judiciário realmente independente e atuante. 

Juvêncio ainda respondeu processo sob acusação de infração à Lei de Segurança Nacional, devido a um artigo onde sugeria: “Tirado o poder dos ladrões, corruptos, vendilhões da pátria e opressores, o passo seguinte é implantar um sistema institucional que garanta a construção de um novo modelo social, político, econômico e cultural”. 

Mazzarollo teve como defensores brilhantes advogados de Curitiba mas acabou condenado e foi o último preso político do Brasil. 

Na linha das colocações de Juvêncio Mazzarollo, aproveitando as lições de alhures para a nossa realidade e parafraseando o Grande Timoneiro, ousaria proclamar: Nós queremos transformar o Brasil politicamente oprimido e economicamente explorado num Brasil politicamente livre e economicamente próspero, mais: nós queremos transformar o Brasil ignorante e atrasado, sob a dominação da antiga cultura, num Brasil esclarecido e avançado, onde dominará a nova cultura. Edificar uma nova cultura é nosso grande objetivo. 

E então, como escreveu Getúlio Vargas, “esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém”. Mas como se consegue tamanha transformação? Transformando-se cada indivíduo, transformando-se cada comunidade. Tolstoi já dizia: “Conhece tua aldeia e serás universal”. Portanto, transforma-se um país, começando pela própria cidade. 

Por isto a importância de apoiar qualquer movimento que vise a alteração comportamental para melhor, o progresso da cidade, como presentemente temos o Projeto de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu – Prodefoz. 

Mazzarollo teve como defensores brilhantes advogados de Curitiba mas acabou condenado e foi o último preso político do Brasil. 

Transformando-se cada indivíduo, transformando-se cada comunidade. Tolstoi já dizia: “Conhece tua aldeia e serás universal” 

Antônio Vanderli Moreira é advogado e procurador-geral do Município 

Fonte: Revista Cabeza, edição nº 12, julho de 2003

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