José Elias Castro Gomes
Depois de anos batendo na tecla do respeito a primeira infância, o governo corrigiu a distorção. Para 2019 crianças nascidas após 31 de março no ano que completam 6 anos frequentam o ultimo estágio da educação infantil.
Ensinar é antecipar. Você traz para o presente da criança e do adolescente conhecimentos para uso futuro. Ele pode não saber muito o que fazer com os conhecimentos sobre mitocôndrias ou o teorema de Pitágoras, mas eles se mostrarão imprescindíveis quando se tornar um biólogo ou arquiteto. Isso acontece até mesmo na história, com os saberes sobre regimes autoritários ou corruptos surgindo como alerta para quando nosso pequeno estudante for um eleitor e precisar escolher seus líderes.
Só que, tal qual o que difere o veneno da cura, o elemento que rege a forma certa de acumular conhecimentos é a dose. Quando em grande quantidade ou complexidade, a informação chega à criança de forma indigesta. Conhecimento deixa de ser estímulo e recompensa para se tornar fardo e amargor.
Na ânsia de ver os filhos se destacarem, muitos pais caem na cilada do “quanto mais, melhor”. Há uma lógica trapaceira nesse raciocínio: quanto antes a criança tiver acesso a uma fartura de saberes mais complexos, mais rápido se desenvolverá intelectualmente. Livros de Dostoievski, óperas de Bizet e pinturas de Pollock certamente estimulam o raciocínio e a sensibilidade, mas isso se aplica a uma criança de seis anos? Muito dificilmente.
Nesse momento da vida, ela ainda não tem um repertório intelectual que a faça compreender uma diversidade de códigos que só uma mente adulta seria capaz de acumular. Um livro de física parece grego, uma ária soa como uma insuportável choradeira melodiosa e uma pintura abstrata é mero borrão sem sentido. É o equivalente a dar a chave do carro para seu filho pequeno dirigir.
O processo de assimilação da mente humana é bastante complexo, mas há muitas crendices que tentam aplicar um verniz de simplicidade ao seu entendimento. Uma delas é a de que nosso cérebro é capaz de feitos absurdamente prodigiosos, pois usamos apenas uma parte ínfima de seu potencial. De fato, podemos fazer maravilhas e a ciência está aí para provar isso.
Mas o cérebro de uma criança ainda está em formação e as informações nem encontram tanta aderência por falta de afinidade ou dispersão – há tantas distrações ao redor que conteúdos mais sérios não oferecem o mínimo grau de atratividade, o que torna sua assimilação muito pouco favorável.
Outra máxima perigosa é a de que o cérebro de uma criança é uma esponja e, portanto, é capaz de absorver muito mais conhecimentos do que o de um adulto. Realmente, aprender um novo idioma, por exemplo, é mais simples, até porque em um adulto essa tarefa é um reaprender, o que exige um esforço maior no sentido de esquecer alguns códigos verbais, absorver outros e saber distinguir quando e como fazer uso. Mas essa esponjinha que está nos nossos filhos não é previsível e funcional como gostaríamos: ela não absorve de tudo, é seletiva e muitas vezes retém aquilo que nem gostaríamos que ficasse armazenado (palavrões, por exemplo).
Como pais, temos a tendência de rever nossa própria história e tentar aplicar em nossos filhos algumas estratégias de desenvolvimento que gostaríamos que tivessem sido usadas em nós mesmos. Na era do acúmulo de informação, é natural que pensemos em o quanto seria bom se tivéssemos acesso a certos autores e conhecimentos ainda na flor da idade, ao invés de ter precisado correr atrás do atraso.
Mas, se oferecermos a nossos filhos saberes para os quais não estão preparados, estaremos nos precipitando. E isso não é o mesmo que antecipar. Então, vamos ter paciência, dosar o conhecimento e deixar seu filho fazer o que ele faz de melhor: ser criança.
José Elias Castro Gomes – Mantenedor do Colégio COC Semeador – Foz do Iguaçu
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