H2Foz – Renata Thomazi
Se fosse para fazer as contas, certamente estaríamos na casa dos milhares de alunos, entre escolas públicas e particulares de Foz do Iguaçu, que receberam lições desta professora de matemática. O Vidas do Iguaçu desta semana regista uma breve homenagem a quem continua prestando serviços à educação e à dignidade iguaçuense: professora Mafalda Dias, elegante, de pulso firme e de pensamento ligeiro.
Curitiba
Mafalda Dias nasceu na capital paranaense em 9 de maio de 1948 e é a primeira filha entre dez irmãos. Veio para Foz do Iguaçu com 1 ano de idade, acompanhando a família que estava de mudança. Na época, o pai, Anteres Dias, era militar curitibano quando foi transferido para o batalhão iguaçuense em 1949. Trompetista e corneteiro, o sargento Dias ensinou a Mafalda valores que ela carrega consigo até hoje: dignidade, educação e respeito às pessoas.
Com a maioria dos professores militares, em Foz do Iguaçu Mafalda estudou no Colégio Vicentino São José, no Colégio Estadual Bartolomeu Mitre e no Barão do Rio Branco. Na época, fazer o magistério era o caminho comum às mulheres. Mas, para Mafalda, tornar-se professora não era apenas para cumprir um padrão da sociedade, ela sempre quis lecionar e cumpriu sua missão por mais de 40 anos integralmente. “Fazia grupo de estudo e assim comecei a lecionar. Hoje eu posso dizer que eu comecei a ser professora em 1965, mais de 50 anos”, conta.
Ela não previa, mas o primeiro aluno que alfabetizou foi o próprio pai. “Ele só sabia assinar o nome, entretanto era de uma inteligência enorme”, revela. “Ele me deu a vida e soube me educar. Até hoje ele me ajuda e continua me dando uma força espiritual muito grande.”
Mafalda fez duas graduações: primeiro, o curso de Matemática na Fundação Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel (Fecivel), atual campus da Unioeste de Cascavel. E depois Ciências Contábeis na Faculdade de Ciências Sociais Aplicada (Facisa), atual Unioeste – campus de Foz do Iguaçu.
Muito giz e infinitos cálculos
É com graça que Mafalda conta como reconhece os alunos na rua: chama pelo nome e relembra inúmeras bagunças. “Eles ficam surpresos porque eu lembro de muita coisa, aí eu respondo: ‘Claro! O que você fazia na sala de aula não dá para esquecer’”, e cai na gargalhada.
Entre os alunos estão políticos, esportistas e também figuras públicas como Jorge Miguel Samek. “Eu dou aula há tanto tempo que fui professora até do Samek”, contando sorrindo que também foi professora de um campeão internacional de futsal que jogou Azerbaijão – o próprio filho Waldir Noronha. “Eu ficava louca com ele que só queria saber de jogar futsal.”
Escola, complemento da educação familiar
Apesar de divertir-se muito relembrando histórias de antigos alunos, Mafalda não deixa de considerar que se preocupa com a forma como a educação vem sendo conduzida.
Ela acredita que a convivência escolar deveria ser a complementação da educação do lar. “A nossa responsabilidade enquanto professores é muito grande, e os pais entregam numa confiança assoberbada. Quando estamos em sala de aula ficam mais arredios, mas quando crescidos adultos eles adquirem discernimento e vêm agradecer.”
Mesmo sobre os desafios de lecionar, a professora relembra com carinho as mais diversas histórias. “Professor ganha pouco, mas o que a gente recebe em troca quando conseguimos ver que o aluno aprendeu é bom demais. É o mais puro sentimento de gratidão.”
Para a escola do futuro, Mafalda acredita que os professores precisam especializar-se mais em fundamentos pedagógicos e psicológicos. “Precisa haver um crescimento e entendimento de valores de vida: saúde, educação, moral e valor à família.”
70 anos de música e a elegância
Ao citar os valores de família, Mafalda reforçou a importância sobre educar as crianças para encarar quando adultos como aceitar e encarar a velhice. Em plena alegria e disposição, no alto dos 70 anos, Mafalda adora sentir-se útil e com muita energia desenvolve atividades no Centro de Convivência do Idoso de Foz do Iguaçu (CCI). “Existem muitas formas da pessoa envelhecer, e eu escolhi envelhecer feliz.”
Ela participa do Conselho do Idoso no Município, ganhou três concursos de dança árabe e pratica dança de salão. Atualmente faz parte do grupo de dança Resplendor e em corais: o da terceira idade Som das Águas de Foz do Iguaçu, Coral Cantate Domino, Coral da Igreja Rosa Mística – o coral da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. “Gosto muito de dançar e cantar. Eu até ajudei a gravar o hino de Foz de Iguaçu, pelo Ivanildo Rafael de Andrade – primeiro-tenente na época.”
Mafalda já foi casada, tem três filhos, quatro netos e um bisneto. E depois de muito tempo encontrou novamente o amor ao lado de Izalino Thomé, de 85 anos, seu companheiro há cinco anos. Eles são parceiros nas festas, apresentações artísticas e também nas ações sociais.
Alfabetização dos idosos
Aproximadamente 12% da população idosa de Foz do Iguaçu não tem o empoderamento da leitura e da escrita. Este dado surpreendeu a professora, que sempre teve os estudos como norteadores da vida. A partir daí, tornou-se solidária à causa, idealizou e é responsável pela fundação da Associação Civil da Terceira Idade Força das Águas, em 14 de outubro de 2014.
Ela chamou professoras parceiras para colaborarem com aulas duas vezes na semana. As profissionais são voluntárias que dedicam parte do seu dia para colaborar na alfabetização da terceira idade. “Nós vimos a necessidade de criar uma associação para terceira idade para arrebanhar os idosos para conhecer seus direitos sociais”, revela.
Com apoio da Unioeste pelo programa de extensão da Universidade da Terceira Idade (Unati), Mafalda e demais colegas conquistaram, em menos de um mês e meio, um espaço de alfabetização no projeto Leitura e Escrita na Terceira Idade do Centro de Convivência do Idoso de Foz do Iguaçu. “As pessoas não têm ideia de como é difícil a vida de um idoso que não lê. Ele sobe no ônibus errado, toma remédios errados, perde o contato com familiares…”
Há quatro anos, a associação vem desempenhando este papel, entre outros como no projeto Arte e Cultura na Terceira Idade, idealizado por mestres da Unila. Senhoras aprendem a fazer crochê, macramê, pintura e outras atividades.
Inclusão digital
Com a alfabetização veio outra necessidade, a inclusão digital aos idosos. Em parceria com a Unila, Mafalda colaborou para articulação e criação do projeto de Informática na Terceira Idade, que acontece toda quarta-feira no CCI. “Conquistamos um espaço que não existia na sociedade. Recentemente conseguimos que a associação fosse declarada como utilidade pública, em 5 de abril deste ano, na Câmara de Vereadores. Além da Moção de Aplauso em seguida.”
Ela ocupa o cargo de secretária, idealizadora e professora do projeto. Izalino, seu companheiro, é o presidente da associação e está ao lado dela em outros tantos planos. “Estamos caminhando de mãos dadas, até mesmo nas premiações. Eu já ganhei como Miss Simpatia das Idosas, e ele como Vovô mais Simpático”, diverte-se lembrando.
Para Mafalda, a vida hoje é assim: dedicação aos alunos idosos, colecionando histórias e contribuindo para uma vida mais digna para a terceira idade iguaçuense.
E sobre a matemática? Pode até ser que no decorrer do período escolar a matemática fosse para alguns um pesadelo, mas para a professora Mafalda Dias a matemática da vida é bem mais simples: basta somar a fé em Deus, respeito pelo trabalho, vontade de viver e amor pela família, que o resultado será a felicidade.
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