Em vez de Itália, Paraguai: irmão de uma das sete vítimas sabe quem embarcou jovens no contêiner da morte

Os sete rapazes morreram por engano, descaso ou pura maldade de traficantes de pessoas. Eles deveriam seguir da Sérvia à Itália, num contêiner de fertilizantes.

H2FOZ – Cláudio Dalla Benetta

A Organização Internacional de Investigação Criminal, mais conhecida como Interpol, acompanha desde o início o caso dos sete imigrantes encontrados mortos dentro de um contêiner de fertilizantes, aberto na última sexta-feira, 23, em Assunção.

O contèiner, junto com outros cinco carregados de fertilizantes, adquiridos por um importador paraguaio, havia chegado ao porto de Villeta, perto de Assunção, no dia 19, numa viagem de três meses da Sérvia ao Paraguai.

A tragédia teve repercussão mundial e repete outras, bem semelhantes, que ocorrem com imigrantes ilegais.

Muitos morrem a caminho da Europa em pleno mar. Outros, como esses sete homens encontrados mortos no Paraguai, tiveram fim semelhante: sufocados dentro de caminhões frigoríficos, em alguns casos já no destino a que pretendiam chegar. Leia mais ao final.

Acima, à esquerda, site de TV síria; à direita, Washinton Posto.. Embaixo, à esquerda, BBC Internacional; à direita,.site em inglês de TV do Marrocos.

Em praticamente todos os idiomas e países, o assunto teve destaque. Matérias distribuídas pelas agências noticiosas, como a Reuters e a Associated Press, foram publicadas em sites e jornais da Argentina, Chile, México, Espanha, Peru, Colômbia, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Marrocos, Paquistão, Grécia, Bélgica, Bulgária, Iugoslávia, Bahrein…

A lista é extensa. E inclui em especial a repercussão na imprensa da região conhecida como Norte da África, onde ficam Argélia, Egito, Líbia, Marrocos, Tunísia, Sudão e Sudão do Sul.

No Egito, Argélia e Marrocos, de onde provinham os imigrantes, multiplicaram-se nas redes sociais as manifestações de pesar pela morte dos sete jovens amigos.

H2FOZ ganha o mundo

Duas matérias publicadas aqui no H2FOZ, com base no noticiário da imprensa paraguaia, tiveram leitura recorde, não só no Brasil como em vários países. A última delas, Mortos achados em contêiner no Paraguai pensavam que estavam indo pra Itália, foi lida por 233 mil pessoas (até as 11h desta quarta-feira, 28)..

Publicada na segunda-feira, dia 26, esta matéria continua tendo um número de leitores impressionante. Nesta quarta, desde a zero hora até as 11h, já foi lida por 91.288 pessoas de pelo menos 20 países. No Brasil, a maior concentração de leitores é em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Campinas, Belo Horizonte, Joinville, Manauus e Grande Campo, para ficar entre as 10 com maior leitura.

Os números do Facebook também impressionam. A postagem teve um alcance, até as 11h, de 2.574.387 pessoas, com 566.686 engajamentos, mais de 3,7 mil compartilhamentos e mais de 1,2 mil comentários.

Números das 11h desta quarta-feira, 28.

A matéria anterior que publicamos sobre o assunto (Havia sete corpos no contêiner que chegou ao Paraguai. Quatro tinham documentos) também tem números elevados. Foram 642.608 pessoas alcançadas, 67.708 engajamentos, 453 compartilhamentos e 131 comentários.

Números já elevados, mas que subiram na matéria seguinte.

O que explica tanto interesse?

Há pelo menos alguns fatores que explicam por que houve tanta repercussão, inclusive da postagem feita pelo H2FOZ.

Primeiro, a tragédia em si: sete jovens morreram presos num espaço fechado de menos de 6 metros de comprimento por 2,3 metros de largura e 2,5 metros de altura (em números arredondados, esses são os padrões para o tipo de contêiner marítimo). Eles ainda dividiam essa área com sacos de fertilizantes, que podem ser tóxicos – ainda mais numa “convivência” de três meses.

Em segundo lugar, porque uma tragédia sobre a qual se lê em países da Europa ou Estados Unidos, a ida de imigrantes e a morte no mar ou até em casos semelhantes, teve como foco um país vizinho, o Paraguai, onde, como no Brasil, a imigração é perfeitamente tolerável.

E, em terceiro lugar, porque todos sonhamos – sejamos jovens ou não – em melhorar de vida. Se a situação é insustentável onde estamos, por questões econômicas ou outras da mesma gravidade, quem não pensaria em buscar uma nova vida longe dali? Isto foi o que moveu os sete jovens. Isto foi o que os levou a uma morte com muito sofrimento.

As investigações

Depois do noticiário inicial, bombástico, já não há mais o que procurar na Internet pra saber novidades sobre o caso, na imprensa mundial.

No Paraguai, os médicos-legais continuam a fazer perícias nos corpos e a tirar conclusões, que são repassadas à polícia internacional. Mas é preciso que a imprensa cobre das autoridades da Sérvia, da Argélia e de outros países de onde provém boa parte do tráfico de imigrantes, para que os responsáveis sejam encontrados e punidos.

Foto de Daniel Duarte, do jornal Última Hora, registra quando os restos mortais eram levados ao instituto médico legal.

Matéria do jornal Última Hora, de Assunção, publicada esta semana, traz a origem dos suspeitos de ter colocado os sete jovens num contêiner – são argelinos – e até o apelido de um deles, Salambiá.

Quem relatou foi Mohamed Ouherher, irmão de de Sidahmed Ouherher, um dos sete mortos, em entrevista à TV Telefuturo, do Paraguai, conforme a matéria do Última Hora.

No Facebook de Najmod, a homenagem ao amigo Sidahmed e aos outros mortos.
 

Mohamed disse que estava sabendo da viagem de seu irmão, cujo destino final era a Itália, onde o contêiner em que ele entrou com os amigos deveria demorar apenas algumas horas para chegar.

Sidahmed já havia morado durante dois anos na Alemanha e na França, mas voltou à Argélia a pedido da mãe, que estava gravemente doente.

Depois da morte da mãe, o rapaz foi de avião da Argélia até a Macedônia e, de lá, foi de ônibus e a pé até a Sérvia. “Estive em contato com ele o tempo todo”, disse Mohamed.

Na Sérvia, Sidahmed e os seis amigos com quem viajaria se encontraram com dois argelinos, que se dedicam ao tráfico de pessoas, e pediram que os levasse à Itália, mediante pagamento.

De posse do dinheiro, os traficantes disseram que os sete chegariam à Itália, dentro de um contèiner. Sidahmed, segundo o irmão, já havia feito as outras viagens à Europa neste tipo de travessia.

Quem coordenou a viagem foi Salambiá. “Este homem é famoso aqui, todos os imigrantes o conhecem por fazerem a travessia com ele. Meu irmão menor, faz dois anos, já esteve na Europa e foi da mesma maneira”, contou.

No entanto, o contêiner não foi para a Itália. Na Croácia, foi embarcado num navio, junto com os outros contêineres de fertilizantes, rumo ao Paraguai.

Num vídeo publicado na rede social de um dos jovens mortos, eles aparecem cantando e rindo na calçada de uma rua provavelmente da Sérvia.

Outros casos

É a primeira vez que uma tragédia dessas chega perto de nós. Mas houve outras do mesmo gênero, só que, ao invés de um contêiner, ocorreram em caminhões fechados.

Em outubro do ano passado, 39 chineses foram encontrados mortos dentro de um caminhão frigorífico, perto de Londres. A polícia do Reino Unido teve a informação de que o caminhão havia passado antes pela Bélgica.

Em junho de 2000, 58 chineses em situação irregular foram encontrados mortos asfixiados em um caminhão no porto de Douvres, também no Reino Unido.

Em agosto de 2015, 71 migrantes da Síria, Iraque e Afeganistão, a caminho da Europa Ocidental, morreram em um caminhão frigorífico na Áustria.Eles foram encontrados em uma rodovia a quase 50 km da cidade de Hofburg. As vítimas haviam embarcado no caminhão na fronteira entre Sérvia e Hungria e estavam sendo levadas para a Alemanha. Todas fugiam de países em guerra e pagaram, cada uma, 1.500 euros pela viagem (cerca de R$ 10 mil).

Nesse último caso, 14 pessoas foram julgadas pelas 71 mortes. A Justiça da Hungria condenou quatro por homicídio e outras acusações, com pena de 25 anos de prisão. Outros dez foram condenados por contrabando de imigrantes e associação a organização criminosa, com sentenças de 3 a 12 anos de prisão.

Em 2006, 19 imigrantes ilegais latino-americanos mmorreram sufocados na traseira de um caminhão, nos Estados Unidos. O motorista já foi condenado. Ele ignorou os gritos das vítimas, que enfrentaram falta de ar, desidratação e altas temperaturas.

O que se espera é que, como no caso dos Estados Unidos e da Áustria, a Justiça consiga chegar aos responsáveis pela morte dos sete jovens que buscavam uma vida melhor na Europa e morreram de forma horrível no primeiro trecho da viagem ao Paraguai.

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