Data surgiu para contrapor a historiografia oficial de 13 de maio, data em que foi assinada a Lei Áurea.
A escravidão perpassou três séculos no Brasil, com efeito perverso mesmo no período imediato à sua abolição formal, deixando consequências na sociedade atual. O racismo estrutural de cada dia normaliza o preconceito e a discriminação e impõe desigualdades entre negros e brancos.
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Mas as vozes negras sempre se levantaram ao longo da história e seguem enfrentando as manifestações de injustiça e exclusão. Dão seguimento à tradição de Zumbi dos Palmares, figura icônica que enfrentou a elite escravocrata, celebrada com o Dia da Consciência Negra, data que completa 50 anos neste sábado, 20 de novembro.
A própria data é resultado de disputa entre narrativas. Na década de 1970, em Porto Alegre, capital gaúcha, um coletivo de jovens que se intitula Grupo Palmares passa a questionar o dia 13 de maio, que remete à assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel, como representativa das pautas, da identidade e da trajetória histórica, ancestral e cultural da população negra.
Daí surge, em 1971, o Dia da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695. A data criada há 50 anos realça a participação do povo negro como sujeito de suas reivindicações, conquistas e construções, ao mesmo tempo sendo uma convocação de toda a sociedade para a reflexão sobre a questão racial no país e de combate ao racismo.
Em reportagem da Agência Senado, o pesquisador Deivison Campos, professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), afirma que a proposta do Grupo Palmares deu novo encaminhamento para as reivindicações da população negra. Significou uma “ruptura entre uma liberdade conquistada e uma liberdade concedida”, diz.
Data nacional
O dia 20 de novembro no Brasil passou então a ser uma data nacional, celebrada pela população e os movimentos negros, incluída no calendário escolar em 2003 e oficializada pela Lei Federal nº 12.519 de 2011. Entretanto, a data somente é marcada como feriado nas localidades onde há lei estadual ou municipal para esse propósito.
Do “racismo à brasileira”, que reconhece a sua existência, mas nega as práticas, ao racismo estrutural, o Brasil segue sendo profundamente desigual. O trabalhador negro tem o rendimento médio per capita de R$ 934, a metade da média de um profissional branco. Mais de 44% de pretos e pardos moram em condições precárias e com ausência de serviços básicos. Ambos os dados são do IBGE.
Os jovens negros têm 2,7 mais chances de serem assassinados que os brancos, mostram as estimativas oficiais. A recente pesquisa “Educação não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias” revela que estudantes negros mais pobres sofreram mais com impactos negativos na pandemia de covid-19 no país, tendo maiores dificuldades para acessar o ensino remoto, sem conseguir aumentar o acesso a computadores com internet.
Em Foz
Matéria exclusiva do H2FOZ, do jornalista Vacy Junior, traz um levantamento demonstrando que as pessoas negras recebem menos do que as brancas e são minoria em cargos de liderança ou chefia em Foz do Iguaçu. Cerca de 2,5 mil iguaçuenses declararam, em 2010, último censo do IBGE, receber mais de cinco salários mínimos por mês, frente a apenas 576 negros (18 pretos e 558 pardos) que disseram obter esse mesmo valor, uma diferença de 438%.
Quanto à representatividade, o problema é similar, mostra a reportagem. Nas eleições municipais do ano passado, o número de candidatos que se declararam pretos chegou a 9,5%, o dobro em relação a 2016. Entretanto nenhum deles conseguiu eleger-se. Dos 15 vereadores eleitos, seis se declaram pardos.
Representatividade
O Guarê, podcast semanal do H2FOZ, debateu o Dia da Consciência Negra nessa sexta feira, 19. Conduzido por Guilherme Wojciechowski, o programa recebeu o jornalista iguaçuense Nelson Figueira, que refletiu sobre o racismo e avaliou os dados que demonstram a desigualdade racial (clique aqui para ouvir).
“Essa questão de representatividade, não apenas político-partidária, mas também empresarial, só vem refletir o que é a sociedade brasileira”, frisou Nelson. “Infelizmente, a gente vê isso na escola, na universidade e vamos ver em todas as outras esferas e instituições brasileiras. É nosso racismo estrutural e institucional”, apontou.
Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (*)
Morte de Zumbi – Liderou a resistência à escravidão do período colonial e comandou por 15 anos o Quilombo dos Palmares, sendo morto em 20 de novembro de 1695, em área que hoje faz parte do estado de Alagoas.
Grupo Palmares – Resgata o nome de Zumbi e idealiza a data de sua morte como o Dia da Consciência Negra, cujo primeiro ato alusivo à data aconteceu no Clube Marcílio Dias, em Porto Alegre (RS).
Ampliação – Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) decide, em Salvador (BA), adotar a comemoração da Consciência Negra no dia 20 de novembro, contribuindo para fortalecer a data.
Marcha Zumbi – Para marcar os 300 anos da morte de Zumbi, cerca de 30 mil pessoas se reúnem no dia 20 de novembro de 1995, em Brasília (DF), para denunciar a ausência de políticas públicas para a população negra. Cidades fazem do 20 de novembro feriado municipal.
Calendário escolar – Inclui o Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar e, na mesma legislação, torna obrigatório o ensino de história e de cultura africana e afro-brasileira no ensino.
Data é oficializada – O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra torna-se oficial em 2011.
*Fonte: Agência Senado
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