Colégio Militar: uma escola em que as crianças e adolescentes das classes populares não poderão estudar

Pedagoga em Foz analisa efeitos da militarização de estabelecimentos de ensino da rede estadual estadual.

Cátia Castro (*)

“Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar (…)”

(Música Cidadão, de Zé Geraldo)

Desde o anúncio da implantação do Colégio Militar em Foz do Iguaçu, no ano de 2018, uma grande expectativa foi gerada entre pais, mães e estudantes de todas as classes sociais da fronteira. Acreditamos que esta expectativa foi criada justamente pela fama de “qualidade” que os Colégios Militares possuem. Afinal, qual pai e qual mãe não sonham com a possibilidade de ter o filho estudando em uma escola de “qualidade”? Qual educador não deseja trabalhar em uma escola pública “de qualidade”? E qual estudante não sonha com uma boa escola?

No entanto, com o passar dos meses, a tão falada “qualidade” vai sendo desmistificada, e a tão esperada possibilidade de matricular os filhos vai se demonstrado mais distante para os membros das classes populares. Desde que foi iniciado o processo de entrega das escolas públicas da rede estadual para o comando da Polícia Militar do Paraná, tem ficado mais evidente para a população que a militarização é um processo extremamente seletivo e excludente, cada vez mais o caráter público da escola vai sendo substituído por um caráter privado, que poucos tem acesso. É mais uma escola que deixa de ser aberta à todas as crianças e adolescentes de Foz do Iguaçu (sem distinção de raça, cor, credo, classe social), e passa a ser um Colégio só para os “selecionados”, “escolhidos” ou então, para os que são filhos/as de Militares, pois possuem a reserva de 50% das vagas.

Hoje, com a divulgação do Edital que irá selecionar os alunos que ingressarão no Colégio Militar em 2020, ficou confirmada a situação de segregação e exclusão apontada. Esta exclusão já se dá no início do processo, pois quem não tiver o valor de R$ 95,00 para fazer a inscrição, ou não conseguir se enquadrar no critério para isenção já fica de fora, não tem nem a chance de concorrer a uma vaga. Depois seguem os demais processos de exclusão: a realização de provas, e mais cobranças de taxas: R$ 90,00 para kit do aluno e mais R$ 360,00 de contribuição anual no ato da matrícula.

Como se não bastasse as altas taxas, o processo de inscrição ser virtual, com procedimentos de digitalização de documentos (o que exclui muitas famílias), e da seleção mediante provas, ainda apresentam no edital, outros fatores que confirmam o caráter elitista e excludente do Colégio Militar, como:

a) O (a) candidato (a) NÃO PODE TER REPROVADO na série que solicita ingresso (6º ano do Ensino Fundamental ou 1.º do Ensino Médio);

B) O (a) candidato (a) NÃO PODE TER ABANDONADO ou DESISTIDO de cursar o 6º ano do Ensino Fundamental ou 1.º ano do Ensino Médio;

c) O candidato que já foi aluno de Colégio da Polícia Militar do Paraná, NÃO PODE ter ficado com “matrícula condicional” por dificuldades de natureza disciplinar.

Todas essas situações elencadas acima (reprovação, abandono, desistência, indisciplina, distorção idade/série) que para o Colégio Militar são critérios de exclusão, infelizmente continuam fazendo parte da realidade educacional brasileira, principalmente entre as classes populares que, historicamente, esteve excluída do sistema educacional e negligenciada pelas políticas públicas de saúde, moradia, segurança, lazer, etc.

Para Cátia Castro, militarização das escolas afastam alunos dos estratos populares – foto Marcos Labanca

Desde o Brasil Colônia, estudar sempre foi um privilégio das elites brasileiras que, no comando das leis e da política, nunca se preocuparam com a educação das classes populares, a não ser quando passaram a precisar de mão de obra qualificada para o desenvolvimento das suas indústrias e do capitalismo brasileiro. As crianças das classes populares e as questões sociais às quais estão submetidas historicamente, por muito tempo estiveram fora (excluídas) do contexto da escola pública.

Foi justamente para reverter esse quadro de exclusão que muita luta foi realizada nesse país, para que TODAS as crianças e adolescentes tivessem o Direito à Educação, para que TODAS tivessem direito a frequentar a escola Pública, para que o Estado oferecesse educação pública de qualidade em todos os cantos urbanos e rurais desse imenso país. Mas foi somente na Constituição Federal de 1988 e posteriormente na LDB 9394/96 que conquistamos esse direito de TODAS as Crianças estarem matriculadas e frequentando a escola pública.

Ao reservar vagas para algumas crianças e adolescentes, ao selecionar outras e impedir que muitas possam concorrer às vagas, vários princípios legais que estão consagrados na Constituição e na LDB estão sendo feridos, como por exemplo o de “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

O colégio militarizado, que se diz público, pois continuará sendo mantido com os recursos de todos os cidadãos, através das contribuições dos nossos impostos, irá realizar um vergonhoso processo de exclusão. É justo, é legal que nossos impostos sejam destinados para a manutenção de escolas excludentes? Escolas que muitos dos nossos filhos/as se quer, poderão frequentar? O que permite que uma escola pública possa escolher os ‘tipos” de crianças e adolescentes que quer atender?

O que entendemos por uma escola de “qualidade”? o que é esta “qualidade”? Escola de qualidade é a que exclui os alunos de baixo poder aquisitivo, exclui os que abandonaram ou desistiram dos estudos em algum momento na vida, exclui os que reprovaram, exclui os que são indisciplinados?

Não seria mais justo, que diante da realidade educacional (em que crianças e adolescentes desistem de estudar, reprovaram, ou estão fora da idade/série ou tem problemas de indisciplina), houvesse um maior investimento financeiro e preocupação das autoridades com a melhoria da escola pública, para que essas crianças e adolescentes pudessem ao menos ter a  possibilidade de alterar essa condição?

“A militarização das escolas públicas cria um verdadeiro apartheid educacional: escolas com fartos recursos humanos e financeiros que contrastam com as demais escolas da rede; (…) privatizam-se os recursos públicos, já que na prática funcionam como colégios particulares, pois restringem o acesso, cobram taxas e contribuições para obtenção de uniformes e manutenção dos colégios e, ainda, contam com o financiamento público  como os recursos do FUNDEB e FNDE ” (APP-SINDICATO). Tudo isso já evidencia o caráter excludente e elitista. Ainda que neste texto priorizamos tratar apenas da questão do acesso às escolas militarizadas, certamente teremos mais questões a desenvolver quando esta escola começar a funcionar plenamente com base nos regimentos militarizados.

* Cátia Castro é pedagoga em Foz do Iguaçu e presidenta da APP-Sindicato/Foz.
 

1.   MANIFESTO POR UMA EDUCAÇÃO HUMANIZADORA contra o projeto do governo do Paraná de mercantilização. (APP-SINDICATO, 2019). Disponível em: https://appsindicato.org.br/manifesto-por-uma-educacao-humanizadora-contra-a-mercantilizacao-da-escola-publica/.

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