Aníbal Abbate Soley – A noite em que o Condor pousou em Foz do Iguaçu

Numa operação relâmpago a repressão da ditadura civil-militar sequestrou em dezembro de 1974, Aníbal Abbate Soley, Rodolfo Mongelos, Cesar Cabral e Alejandro Stumpfs. Texto publicado pela revista Helena, da Biblioteca Publica do Estado do Paraná. O H2FOZ publica o artigo num singela referência à memória de Aníbal Abbatte Soley, que faleceu nesta terça-feira, em Foz do Iguaçu.

Texto publicado pela revista Helena, da Biblioteca Publica do Estado do Paraná. O H2FOZ publica o artigo num singela referência à memória de Aníbal Abbate Soley, que faleceu nesta terça-feira, em Foz do Iguaçu.


Numa operação relâmpago a repressão da ditadura civil-militar sequestrou em dezembro de 1974, Aníbal Abbate Soley, Rodolfo Mongelos, Cesar Cabral e Alejandro Stumpfs.

Aluizio Palmar

O medo tomou conta de Foz do Iguaçu na madrugada do dia 1º , um domingo, para o dia 2 de dezembro de 1974, quando quatro cidadãos, empresários bem relacionados na sociedade local, desapareceram de repente.

Para Mongelos, Cabral, Aníbal e Stumpfs, aquele primeiro domingo de dezembro parecia ser igual aos outros tantos domingos vividos em Foz do Iguaçu. O dia transcorrido não havia sido diferente dos demais – churrasco, siesta,tererë  e Grenal.

À noite, Cesar Cabral foi dormir após ver o Fantástico; Anibal Abbate Soley, como de hábito jantou e se recolheu ao quarto; Rodofo Mongelos retornou da casa de sua namorada e Alexandre Stumpfs foi com a esposa ao cinema.

De repente, o que parecia ser mais um tranqüilo começo de madrugada é tumultuado por uma manobra militar de grande envergadura, muitos recursos humanos e materiais.

Em pouco tempo os quatro cidadãos foram seqüestrados em vários pontos da cidade e no mesmo momento. Tudo aconteceu em trinta minutos, numa operação executada pelo Centro de Informações do Exército envolvendo cerca de 20 homens fortemente armados e seis veículos de modelos diferentes

Dos quatro, três eram refugiados políticos no Brasil desde 1959 e saíram do Paraguai devido a ditadura do general Alfredo Stroessner.

Anibal e Stumpfs, empresários no ramo de exportação e Rodolfo Mongelos, dono de padaria no centro da cidade. O único com uma história diferente era Cesar Cabral, empregado na exportadora de Stumpfs. Argentino de nascimento e filho de paraguaios, Cesar deixou a faculdade em 1966 e veio para o Brasil por força das perseguições da ditadura do general Ongania. Em 1968 entrou no MR 8 e um ano depois foi preso no Rio de Janeiro, onde cumpriu pena no Presídio da Ilha Grande. Em 1971 saiu em liberdade condicional por ter cumprido metade da pena.  

Ele estava deitado quando bateram à porta; levantou para atender, dois homens entraram e disseram secamente para acompanhá-los. Sua esposa, Adelaide, com o filho Fabian, de dois anos no colo e Fabio, de seis anos, agarrado em sua saia, arregalou os olhos enquanto seu marido era raptado. 

Na casa dos Abbate Soley não aconteceu diferente. A família estava dormindo quando foi acordada por uma buzina estridente de um carro
 que entrou na garagem. Aníbal pulou da cama, abriu a porta e três homens fortemente armados entraram na sala. Diante da esposa Cristina e das filhas Maria Letizia, na época com oito anos e das gêmeas de quatro anos Maria Rossana e Maria Grissel, os invasores arrancaram o fio do telefone e levaram Anibal. 

Com Rodolfo Mongelos e Alejandro Stumpfs Mendoza não foi diferente.

Rodolfo voltava da casa da namorada quando foi arrancado de dentro de seu veículo Opala, encapuzado , algemado e jogado violentamente dentro de uma Veraneio que fugiu em alta velocidade. Algumas pessoas que estavam em frente ao seu estabelecimento comercial – a Padaria Progresso, assistiram a cena e nada puderam fazer devido a rapidez do seqüestro.

Quanto a Stmpfs, ele voltava do cinema com sua esposa Antonia Velasquez, quando seu carro foi abalroado por uma Veraneio e dela saíram três indivíduos que agarraram o empresário e dispararam em direção à BR 277, estrada que leva Foz do Iguaçu a Curitiba.

E os quatro carros, acompanhados por outros tantos, seguiram pela estrada e só pararam nas proximidades de Céu Azul, para que os raptores interrogassem suas vitimas dentro do Parque Nacional do Iguaçu.

O rapto dos três paraguaios e do argentino, exilados em Foz do Iguaçu, foi uma operação militar que exigiu um longo tempo de preparação, muitos recursos humanos e materiais e um grande esforço de coordenação. Foi rigorosamente sigilosa e executada por um grupo especial comandado pelo coronel Sebastião Curió, que se deslocou da cidade de Brasília, para raptar os exilados e levá-los para uma unidade militar localizada em Formosa, interior do estado de Goiás.

Tomados pelo medo, aos raptados restou a submissão total, perda de autonomia como indivíduos, redução à indignidade de ser apenas coisa. Estavam em condições adversas, sem saber a razão daquele ato de violência. Sabiam que por trás, manipulando a tropa, puxando os fios do comando, havia poderes e interesses maiores.

Vieram a conhecer esses poderes e interesses quando foram interrogados por oficiais do Exercito, de altas patentes.

Descobriram que eram vítimas de uma parceria entre as ditaduras do Brasil e do Paraguai. Que foram raptados no meio da noite, em seus lares e em frente de suas esposas e filhos, em nome das boas relações entre os dois regimes ditatoriais e do bom andamento das obras e do acordo para a construção da Usina de Itaipu. Eram vítimas da binacional da repressão e do terror.

O rapto dos exilados em Foz do Iguaçu foi um ensaio do que viria a ser a Operação Condor, criada meses depois pelas ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de coordenar a repressão a opositores e eliminar seus líderes.

Os empresários iguaçuenses, todos integrantes do Movimento Popular Colorado eram acusados de conspirar no exílio contra o general Alfredo Stroessner e terem contato com membros da resistência à ditadura que moravam no Paraguai. Esses ativistas foram presos em Assunção e em 1976  e executados por ordem direta do general Stroessner.

Passado o susto, em Foz do Iguaçu, familiares dos presos bateram à porta do então 1º Batalhão de Fronteiras e apresentaram denúncia na Delegacia da Polícia Federal. Os órgãos policiais estavam perdidos, sem rumo. A falta de informação era geral.

Maçonaria e Lions Clubes mexeram seus pauzinhos em defesa dos empresários seqüestrados. Todos sabiam o que acontecia no Brasil e no Paraguai, onde presos eram torturados e desapareciam. Foram dias de muita apreensão. Os pedidos de informações não eram respondidos. A resposta era o silêncio. 

Finalmente foram soltos, graças a forte pressão internacional. O papa Paulo 6º e o presidente venezuelano Carlos Andrés Perez, entre outros, condenaram o governo brasileiro pelas prisões. Anibal, Mongelos e Stumpfs foram soltos no dia 23 de dezembro. Cesar foi libertado uns dias antes.
A condição, tomada num acordo entre as ditaduras do Brasil e do Paraguai, foi que os presos, libertados, não voltassem a Foz do Iguaçu num prazo de dois anos.

Aluízio Palmar é jornalista em Foz do Iguaçu.
Texto publicado originalmente na Revista Helena, editada pela  Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.

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