* Alexandre Palmar
Moradora ilustre da comunidade Palmeirinha, dona Áurea Bueno sempre deixou a porta de casa aberta para quem aprecia uma boa prosa. Ela chegou àquela vila de Ponta Grossa em 1950, acompanhada do marido, José Cizinando Bueno, mais conhecido como Zeca, o eletricista, e sua única filha natural, Elizabete.
Diante de fotografias com molduras ovais penduradas na parede da sala, ela narra com detalhes o desenvolvimento da região, lembrando a época de vizinhos andando até a Praça Getúlio Vargas para embarcar no ônibus rumo à ''cidade''. Em seus olhos espelham o tempo da ponte de madeira, de um metro e meio de largura, construída sobre a linha de trem.
Com a propriedade de pioneira, ''Polaca'', como é chamada pelos amigos, faz questão de enaltecer a memória de Juca Hoffmann, ex-prefeito de Ponta Grossa, em virtude da atenção dedicada por ele ao então vilarejo nos anos 60. ''Foi ele quem olhou para gente, transformando a Palmeirinha, não numa vila completa, mas dando uma estrutura a ela'', conta.
Inicialmente, dona Áurea se dedicou ao trabalho de enfermeira e bordadeira, porém ampliou horizontes com seus dotes culinários. Ela é especialista em bolos artísticos e doces cristalizados (seu figo é único). Logo, a doceira conquistou os lares das famílias mais tradicionais dos Campos Gerais.
Sua figura celestial é evidenciada também nas fotos espalhadas pela casa. Além de Elizabete, estão retratadas outras sete filhas adotivas, todas retiradas das ruas e acolhidas sob o teto dos Bueno. ''Todas são motivo de orgulho. Já são casadas, prendadas e boas esposas'', diz, sem esconder o sorriso.
Quando completou 70 anos, em 26 de novembro de 1997, foi homenageada pelo Rotary Clube de Ponta Grossa com um jantar repleto de discursos inflamados. Foi nessa instituição que a pioneira, então presidente de trabalhos comunitários, desenvolveu um projeto com meninas pobres, ensinado-as a bordar, pintar tecidos e, é claro, cozinhar.
O maior reconhecimento, entretanto, partiu dos amigos após ser escolhida com freqüência para abençoar casamentos e batizar bebês nascidos na comunidade. Dona Áurea recebeu o título de ''Madrinha da Vila'', numa justa homenagem aos 158 afilhados. Isso em novembro de 1997. A atualização da contagem depende de uma simples ida à Rua Francisco Otaviano, onde mora a ''avó ideal''.
* Alexandre Palmar é jornalista em Foz do Iguaçu e editor do Portal H2FOZ.
Texto publicado originalmente na Folha de Londrina em 2003.
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