A construção de uma eclusa em Itaipu, para que a hidrovia Tietê-Paraná possa ser ligada aos portos na Argentina e Uruguai, é um sonho antigo.
E é muito difícil de realizar. Em 2017/2018, a margem paraguaia de Itaipu contratou uma consultora holandesa para elaborar um estudo de viabilidade técnica, econômica, ambiental e social da eclusa.
Pagou 399.400 euros, à época (quase R$ 2,5 milhões), e o resultado foi que a eclusa é factível.
Antes, uma explicação: eclusa é uma obra de engenharia hidráulica que permite a embarcações subirem ou descerem rios (ou mares) onde há desníveis, como barragens (caso de Itaipu), quedas d´água ou corredeiras.
CUSTO DE US$ 1,5 BILHÃO
Os estudos feitos pela Witteveen+Bos (Holanda), supervisionados pela francesa Companhia Nacional do Ródano e por técnicos de Itaipu, apontaram um custo aproximado de US$ 1,5 bilhão na construção (cerca de R$ 7,6 bilhões, ao câmbio de hoje) e US$ 8,2 milhões por ano para operar a eclusa (aproximadamente R$ 41,4 milhões).
O custo mais baixo para construir a eclusa seria na margem paraguaia de Itaipu, de acordo com os estudos.
O jornal paraguaio ABC Color, em matéria na edição deste domingo, 6, volta a falar de eclusa em Itaipu. E destaca: “O Brasil mostrou pouco interesse em plano sobre eclusa em Itaipu”.
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
O jornal lembra que a eclusa foi um dos assuntos levados a uma reunião do Conselho de Administração de Itaipu, pelo então diretor-geral paraguaio Ernst Bergen e pelo atual representante do Ministério de Relações Exteriores do Paraguai no Conselho, Federico González.
Diz o jornal que “os conselheiros brasileiros de Itaipu mostraram muito pouco interesse” na questão.
E cita que o representante do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Otávio Brandelli, contou na reunião que, algumas semanas antes, tinha conversado sobre o Anexo B do Tratado de Itaipu com o embaixador paraguaio no Brasil Juan Ángel Delgadillho.
“EXIGE REFLEXÃO”
Foi quando Brandelli emitiu sua opinião pessoal sobre a eclusa em Itaipu.
Disse que o tema não é novo; que é muito complexo; e que seu custo exige uma reflexão muito mais profunda, especialmente em relação à agenda de infraestrutura dos dois países.
Brandelli disse aos conselheiros que certamente eles conheciam as obras de infraestrutura em planejamento pelo Ministério de Infraestrutura do Brasil, “com impacto muito importante na região”.
Uma delas é a revitalização da ferrovia que passa pelo Oeste brasileiro, chega ao Mato Grosso do Sul e ali se conecta (ou será conectada) a outra ferrovia que ligará ao Porto de Paranaguá, que também deverá ser revitalizado e ampliado.
E disse mais, conforme o próprio ABC Color lembra: só o projeto da eclusa equivale à metade do valor de toda as obras de infraestrutura previstas até 2023 no Brasil.
REVISÃO DO ANEXO C
O governo paraguaio, noticia ainda o ABC Color, planeja incluir novos conceitos econômicos no Anexo C do Tratado de Itaipu, que Brasil e Paraguai renegociam em 2023.
Esse documento trata das bases financeiras da tarifa de suprimento de energia da Itaipu Binacional, com base nos custos e no pagamento dos empréstimos que viabilizaram o empreendimento.
Em 2023, a dívida estará praticamente quitada, e com isso cerca de 70% do orçamento de Itaipu não serão mais utilizados para amortizar oss empréstimos.
Com base nisso, o governo paraguaio diz que pretende incorporar novos conceitos econômicos no Anexo C, como “novos investimentos” e “fundos especiais”.
Nesses custos, incluiria a construção da eclusa.
NO BOLSO DE QUEM?
A questão é que, hoje, o Paraguai consome menos de 16% da produção de Itaipu (tem direito à metade) e o Brasil utiliza 84% (sua parte mais a que o Paraguai não consome, e pela qual os brasileiros pagam mais caro).
Isto é, se a eclusa for construída com recursos de Itaipu, quem vai arcar com a maior parte dos custos é o consumidor brasileiro de eletricidade.
E fica a questão: quando o Paraguai estiver consumindo tudo a que tem direito (50% da energia de Itaipu), manterá o projeto da eclusa com recursos da usina?
Ou vai preferir, como faz agora, utilizar o dinheiro em obras que beneficiam diretamente a população paraguaia, como também faz a margem brasileira?
OBRAS AQUI E LÁ
Do lado de cá, recursos de Itaipu garantem as obras da segunda ponte sobre o Rio Paraná, unindo Foz do Iguaçu a Presidente Franco; a modernização e a ampliação da pista do Aeroporto Internacional.
E mais: a duplicação da Rodovia das Cataratas; os contornos rodoviários de Cascavel e Guaíra; e a conclusão da Estrada da Boiadeira, que ligará o Paraná ao Mato Grosso do Sul.
E outras obras de menor porte, em Foz e região, como ciclovias, o mercado municipal, a revitalização do Gramadão da Vila A e várias outras.
Tudo isso vai representar, ao final, um investimento de aproximadamente R$ 2,5 bilhões.
Ou menos de US5 500 milhões, um terço do que custaria a construção da eclusa, obra que certamente obrigaria a cancelar todos os outros projetos.
Do lado paraguaio, Itaipu é quase um “ministério de obras”. Entre as mais recentes e vistosas, está o recém-concluído multiviaduto de Ciudad del Este.
CRISE HÍDRICA
É importante lembrar, também, que a bacia do Rio Paraná enfrenta uma crise hídrica desde o ano passado.
O Operador Nacional do Sistema destacou, em texto recente, que a situação hidrológica atual é a pior já enfrentada desde 1931.
Com pouca água, não há funcionamento de eclusa.
E isso se constatou várias vezes, no ano passado e neste, na usina binacional Yacyretá, que pertence em condomínio ao Paraguai e à Argentina.
Yacyretá precisou que fosse liberada água em Itaipu (vinda das usinas a montante) para que as barcaças carregadas com a produção paraguaia pudessem passar por sua eclusa.
Quando há uma estiagem, a vazão do rio naturalmente diminui.
E, quando a situação do consumo de energia exige, é preciso utilizar mais água na geração. Nos dois casos, a eclusa deixaria de funcionar.
É o que aconteceria na atualidade, se existisse uma eclusa em Itaipu.
PARALISAÇÃO
Em 2014, por exemplo, a estiagem provocou uma redução no transporte de cargas pela Hidrovia Tietê-Paraná, no Estado de São Paulo.
Entre fevereiro e abril, a queda já havia sido de 86%, na comparação com os mesmos meses de 2013.
E a situação continuou grave em maio.
A revista Exame, que trouxe a matéria na versão on line do dia 8 de maio, informava que dois dias depois as barcaças deixariam de operar, porque o calado dos barcos seria diminuído para apenas dois metros, o que impediria a navegação.
“ONDAS DE VAZÃO”
A revista explicou que, na tentativa de viabilizar a navegação, os operadores realizam as chamadas “ondas de vazão”.
São operadores que consistem em turbinar a geração de energia na usina de Nova Anhandava, a primeira no Rio Tietê, para aumentar o nível do rio e possibilitar a passagem pela eclusa.
“Ocorre que as ondas exigem da usina a redução de geração de energia destinada à comercialização, reduzindo lucro, e também podem colocar em risco a segurança das embarcações”.
Por por isso mesmo, o Operador Nacional do Sistema já sinalizava que não permitiria mais a operação.
OUTRAS QUESTÕES
Essas são questões importantes que devem ser levadas em conta.
Mas há outras, como um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que considerou os custos previstos elevados demais para os resultados também previstos.
Comentários estão fechados.