Em novembro de 1985, a Ponte Tancredo Neves foi a notícia do ano. Acabava de ser inaugurada e estreitava os laços entre brasileiros e argentinos. Ninguém imaginava que 35 anos depois a passagem entre Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú pudesse ser bloqueada em razão de um vírus. Neste dia 15 de março, o fechamento da ponte que liga Brasil e Argentina completará um ano, trazendo não só as propagadas perdas econômicas como também as culturais e emocionais.
O fechamento da fronteira impede novos contatos, encontros, negócios e descobertas. Acabou o vaivém de brasileiros na feirinha de Puerto Iguazú, dos turistas degustando pratos típicos argentinos e dos hermanos circulando em supermercados, lojas e shoppings deste lado.
Nessa balança, o prejuízo maior recai sobre Puerto Iguazú, município de aproximadamente 80 mil habitantes com dependência extrema do turismo e da parcela de visitantes que chegam a Foz do Iguaçu. Com a economia em frangalhos, diversos hotéis, pousadas e lojas foram obrigados a baixar as portas. O presidente da Câmara de Comércio de Puerto Iguazú, Joaquin Barreto Bonetti, diz que pelo menos 20% dos 2.400 pontos comerciais da cidade fecharam.
No setor turístico, o Parque Nacional do Iguazú está aberto apenas para argentinos e turistas que entram no país via Buenos Aires, o único acesso permitido para chegar à Argentina. Se hoje um turista brasileiro quiser conhecer as Cataratas argentinas e os demais atrativos de Puerto Iguazú, ele precisará ir para Buenos Aires e viajar por um trecho de 1.400 quilômetros até a cidade fronteiriça.
A atitude radical do presidente argentino Alberto Fernández em fechar a passagem sem flexibilização com o uso de protocolos sanitários rendeu inúmeros protestos em Puerto Iguazú por parte de comerciantes e agentes de turismo, mas não fez eco. Hoje, a vizinha argentina parece uma cidade fantasma, dizem alguns moradores.
O presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Luciano Barros, afirma que todas as cidades separadas pelos rios Iguaçu e Paraná estão extremamente ligadas em vários aspectos, incluindo o social, cultural e econômico. Em termos de economia, os impactos em Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, cidades gêmeas, são muito significativos porque há um corredor turístico entre as duas cidades que está interrompido, impedindo que turistas que visitam as quedas do lado brasileiro possam vê-las do lado argentino. Também é preciso salientar que sempre houve interação comercial entre os residentes fronteiriços, pontua Barros.
Do ponto de vista cultural, a Argentina sempre proporcionou boa gastronomia, eventos musicais e o lazer nos hotéis para os brasileiros. No aspecto social, os prejuízos são mais evidentes, porque sem emprego e renda, sem a integração entre as cidades, as populações de baixa renda sofrem com a falta de trabalho no comércio e serviços.
“O fechamento das fronteiras evidencia nossa incompetência como seres humanos em desenvolver o espírito de finesse, o espírito de respeito mútuo, de não sabermos conviver com um problema comum de forma respeitosa e madura, evitando aglomerações e conduzindo o processo com responsabilidade. Quem sabe se fôssemos mais responsáveis não precisaria de fechamento e o vírus estaria já controlado em nossas regiões”, ressalta Barros.
Hoteleiro coloca pousada à venda
Roberto Saavedra, 55 anos, deixou Buenos Aires em 2007 para viver em Puerto Iguazú, onde abriu uma pousada, no centro da cidade. Foram oito anos de intensa movimentação. Diariamente chegavam brasileiros, espanhóis, italianos e ingleses que faziam reservas por plataformas digitais. Ele levantava às 7h e às vezes ia depois da meia-noite buscar passageiros no aeroporto.
Hoje, Saavedra passa dificuldades. Foi obrigado a fechar a pousada e está à procura de compradores para pegar outro rumo na vida. “O fechamento da fronteira me partiu no meio”, revela. Ele conta que não tem como se sustentar financeiramente, lamenta a situação da Argentina hoje e ainda considera a atitude radical do governo um atropelo aos direitos humanos.
Situada na área central de Puerto Iguazú, perto da famosa feirinha, a pousada está mobiliada e vazia, sem hóspedes. É mais um estabelecimento de hospedagem da cidade fechado e colocado à venda. “O modelo político não é de meu interesse, eu quero trabalhar”, salienta.
Depois que vender o estabelecimento, Saavedra pretende retornar a Buenos Aires e tentar a sorte em outra atividade comercial. Da fronteira, só ficarão as boas lembranças.
Chef de cozinha insistiu para sair de Puerto Iguazú depois da passagem de uma elefanta
O chef de cozinha Lázaro Daniel Bordon, 55 anos, teve de brigar para poder deixar Puerto Iguazú logo após a fronteira ser fechada. Prevendo que não conseguiria manter o emprego na cidade, ele foi obrigado a insistir com as autoridades argentinas para sair e só conseguiu cruzar a Ponte Tancredo Neves porque argumentou que foi permitida a passagem de uma aliá. “Foi uma briga impressionante. Eu vi que passou uma elefanta, e eu que sou um cidadão que pago impostos não podia passar.”
A elefanta Mara, do zoológico de Buenos Aires, passou pela ponte em um caminhão 49 dias após o fechamento da fronteira. O animal foi levado ao Santuário dos Elefantes, na Chapada dos Guimarães (MT). Usando esse argumento e mostrando que tinha trabalho no Brasil, Lázaro conseguiu cruzar a fronteira a pé, sem precisar ir até Paso de los Libres, a 627 quilômetros, única passagem liberada para entrada e saída de pessoas com as devidas justificativas. Ele informa ter ganhado o direto de cruzar a fronteira no cansaço e que muitos dos colegas que ficaram passam necessidades. Por parte do Brasil, não teve problema algum com os trâmites, menciona.
Nesse tempo, Lázaro diz ter vivido como um cigano. Trabalhou com gastronomia e fez consultorias na área em Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e Ciudad del Este, no Paraguai. Nessa sexta-feira, 12, quase um ano depois, ele conseguiu cruzar a fronteira de volta ao apresentar o teste PCR negativo para as autoridades. O chef resolveu voltar porque o hotel onde trabalhava reabriu e reativou o serviço de gastronomia. “Eu fugi e fui muito bem recebido pelos brasileiros”, destaca.
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Autor: Pepe Pianesi
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