Que se contentem os hoteleiros, os donos de restaurantes, os taxistas e outras pessoas que sobrevivem do turismo em Puerto Iguazú com o movimento atual. Tão cedo, é certeza, a fronteira com o Brasil não vai reabrir.
Pelo decreto do governo argentino, o prazo de fechamento segue até 28 de fevereiro. Mas haverá novo decreto em seguida.
É o que se deduz do que disse o secretário de Turismo de Misiones, José María Arrúa, em visita a Puerto Iguazú, esta semana.
A abertura das fronteiras, hoje, “seria um erro”, afirmou. Mas “é possível se iludir” com uma série de fatores: “Se a vacina continuar a ser aplicada, se as doses forem cumpridas, se os hospitais modulares (de Puerto Iguazú, pra atender eventualmente turistas) estiverem concluídos em meados de março, (então) podemos nos animar com (a possibilidade) da abertura da fronteira com o Brasil, ainda em fase de teste, se os casos não aumentarem”.
É muito “se”. Na verdade, a intenção do governo é não apenas prorrogar o fechamento da fronteira, como tornar as passagens fronteiriças “ainda mais herméticas”, contou a diretora geral de Migrações do Paraguai, Maria de los Ángeles Arriola, depois de conversar com sua par argentina.
Em entrevista à rádio 1000 AM, Arriola disse que a diretora de Migrações da Argentina, Florencia Carignano, contou que a tendência, a partir de 28 de fevereiro, é continuar com a medida vigente. E não só isso: com ainda mais restrições, com as fronteiras “mais herméticas do que antes”.
O fechamento das fronteiras entre a Argentina e o Paraguai provocou uma crise sem precedentes nos municípios que dependiam da vinda de argentinos para compras e lazer. O comércio de Encarnación (fronteira com Posadas), Clorinda (fronteira com Falcón) e Alberdi (com Formosa) permanece às moscas há quase um ano.
A situação pior é a de Encarnación, que depende basicamente dos compradores argentinos, que chegavam em massa para as compras.
No caso das fronteiras com o Paraguai, não há o menor interesse da província argentina de Misiones de que sejam reabertas. Nada a ver com o vírus e seus riscos.
A questão é basicamente econômica. A província foi a que mais arrecadou na Argentina, já que seus moradores passaram a comprar no comércio local e, portanto, o comércio vendeu tudo o que não vendia antes. E a província faturou. Aliás, foi a que mais faturou durante a pandemia (uma das poucas que não ficaram no vermelho, por sinal).
SOBRAS DE PÃO
O governo argentino adotou, desde o início da pandemia, medidas rigorosas para controlar a covid-19. Isso incluiu o fechamento de fronteiras, restrição à circulação também interna e até a proibição de compatriotas voltarem ao país (há ainda algumas centenas deles retidos no Paraguai, porque não têm dinheiro pra comprar passagens de avião).
Deu certo? Nem em relação à pandemia – continuam os casos e mortes, proporcionalmente pouco abaixo do que se registra no Brasil – e muito menos em relação à economia, que continua degringolando.
Continua, porque o país vive sucessões de crises, alternadas com um ou outro período de crescimento. Tem inflação alta, que nunca conseguiu baixar a níveis razoáveis, e viu crescer a miséria e a pobreza nos últimos anos, o que se agravou desde o início da pandemia.
Em Buenos Aires, veem-se cenas impensáveis quando se imagina como são orgulhosos os portenhos. A imagem de centenas de argentinos de Buenos Aires na fila para ganhar sobras de pão do final do dia correu o mundo. Desde o começo da pandemia, com a paralisação de centenas de atividades, já era assim. Agora, piorou.
A “Panadería La Helvética”, no bairro portenho de Constituición, recebia nos últimos meses uma média de 20 pessoas por dia, que vinham buscar o que não foi vendido de pão e de “facturas” (pão doce). Nos últimos dias, o número subiu para três centenas, de acordo com funcionários da padaria, conforme matéria do portal argentino La Verdad.
Os argentinos na fila não se importam se os pães são de ontem ou ainda mais velhos. Precisam comer.
“Nossos clientes (os que não fazem fila no fim do dia) antes vinham comprar pão doce, tortas, agora vêm buscar 20 pesos de pão (R$ 1,20). Eles nos perguntam muito a que horas podem passar para levarem o que sobrou. Às 6 da tarde já há fila de gente, nós fechamos às oito da noite”, contou a funcionária ao La Verdad.
Já houve dias em que a fila chegou a 400 pessoas. Os donos da padaria decidiram manter a mesma quantidade de produção todos os dias, embora as vendas tenham “caído muitíssimo”, para doar as sobras aos que precisam.
POBREZA AUMENTA
O dado oficial: em um ano, a pobreza na Argentina aumentou de 40,8% para 44,2%, o que significa 18 milhões de pobres. Somada à população rural, o número de pobres sobe para 20 milhões. A indigência subiu de 8,9% para 10,1%: são 4,1 milhões de gente à cata do que comer.
O Produto Interno Bruto da Argentina deve ter fechado 2020 (ainda não há o índice oficial) com queda superior a 10%. E a inflação de janeiro foi de 4%, isto é, índice que vale pro ano inteiro em países como o Paraguai. No Brasil, a inflação foi de 4,52%, ainda assim a mais alta em um ano desde 2016.
Os argentinos não souberam e não sabem como lidar com a pandemia e com a economia. Aliás, é o que acontece com a maioria dos países. E a vacinação está, lá como cá, em ritmo de bolero, não de tango ou samba.
A probabilidade de as fronteiras permanecerem fechadas ao longo de todo o primeiro semestre não pode de jeito nenhum ser descartada.
No Twitter, a postagem de uma “duríssima imagem”: a fila dos que vão no início da noite pedir as sobras de pão.
Una cuadra de cola para recibir los restos de una panadería. Durísima imagen. #Constitución pic.twitter.com/IXMGVWsYZo
— Manuel Ruiz (@manuelruiz_) February 5, 2021
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