Brasil não reduz preço do cigarro pra inibir consumo; aí, brasileiro consome cigarro paraguaio

Não deixa de ser uma hipocrisia. Justamente os mais pobres consomem produtos que não têm a qualidade aferida, mas custam menos.

A questão do cigarro paraguaio que entra ilegalmente no Brasil é complexa. E parece ser um vespeiro, porque ninguém gosta muito de tocar no assunto, a não ser pra denunciar.

E as denúncias pululam: já tem até fábricas brasileiras ilegais que fabricam os cigarros paraguaios mais vendidos (ilegalmente) no Brasil, como informa uma reportagem da Folha de S. Paulo.

O cigarro de contrabando já domina 57% do mercado brasileiro. São 63,4 bilhões de cigarros ilegais por ano, estima-se. Do total, 90% são paraguaios, mas circulam também produtos da Coreia do Sul, Estados Unidos e Reino Unido, principalmente no Nordeste.

O contrabando faz com que o Brasil deixe de gerar 173 mil empregos diretos e indiretos no setor, segundo a consultoria Oxford Economics. Esses empregos se somariam aos que já existem no mercado formal de cigarros: 251 mil postos de trabalho, dos quais 186 mil em empregos diretos, na lavoura, nas fábricas e nos distribuidores.

Se não houvesse contrabando, o País geraria R$ 1,3 bilhão em receitas fiscais adicionais, o que aumentaria o Produto Interno Bruto e geraria emprego em toda a cadeia – cultivo, fabricação e distribuição.

E tem mais. O cigarro de contrabando é uma das formas de o crime organizado formar capital para fazer o que realmente é sua especialidade: tráfico de drogas e de armas, assaltos e o que mais você pensar.

O Paraguai só cobra 18% de tributos sobre o cigarro, enquanto no Brasil os impostos variam de 71% a 90%, dependendo do Estado. Com isso, uma carteira de cigarros “made in Paraguai” custa no mercado ilegal R$ 3,50, metade do preço do cigarro nacional mais barato.

Então, seria simples, não é mesmo? Bastaria baixar os impostos para liquidar o mercado ilegal de cigarros. Quando essa proposta foi feita, houve uma gritaria: os impostos altos são justamente pro cigarro ficar menos acessível ao consumidor, para desestimular seu consumo, que provoca graves danos à saúde.

Mas, como tem gente que não quer parar de fumar de jeito nenhum, ficamos assim: os mais ricos compram os caros cigarros brasileiros; os mais pobres “preferem” os cigarros paraguaios ou cigarros de marcas paraguaias falsificadas (a que ponto chegamos!).

CIGARRO É UM DOS RAMOS DO CRIME ORGANIZADO

O Jornal Contábil traz outra proposta para resolver este problema. E quem deu a sugestão é bem ligada ao assunto: a Japan Tobacco International (JTI), uma empresa internacional líder em tabaco e vaping, com operações em mais de 130 países.

Inclusive no Brasil, conforme o site da empresa. Aqui, a JTI possui uma planta de processamento de tabaco e uma fábrica de cigarros no Rio Grande do Sul, unidades de compra de tabaco, um centro de pesquisa aplicada, centros de distribuição e escritórios em 12 Estados e no Distrito Federal.

Então, é parte interessada no assunto. Mas, preconceito à parte, vamos ver qual é a proposta pra acabar com o cigarro de contrabando, conforme a reportagem do Jornal Contábil.

O texto já começa lembrando o que a Folha de S. Paulo não destacou: os cigarros paraguaios são “mais acessíveis ao bolso dos brasileiros, principalmente os de menor renda, e financiam organizações criminosas que estão ligadas a diversos outros crimes, como furto e roubo de veículos, assassinatos, formação de milícias e corrupção, segundo informações da Polícia Federal”.

Num relatório produzido em 2019, a própria Polícia Federal defendeu a redução do preço dos cigarros brasileiros. “Embora possa parecer, à primeira análise, contrária à política de combate ao tabagismo, deflagrará uma onda de desdobramentos positivos que desestruturará o contrabando de cigarros, trazendo resultados positivos e concretos em vários segmentos públicos e sociais que hoje se consomem no invencível trabalho de ‘enxugar gelo’”, afirmou a instituição.

Diz o jornal que o preço baixo dos cigarros paraguaios empurra “milhões de consumidores para o mercado clandestino, expondo-se a mais riscos ao consumir produtos sem nenhum controle de qualidade ou sanitário”.

E cita a pesquisa “Caracterização e Avaliação da Qualidade dos Cigarros Contrabandeados no Brasil”, realizada por um pesquisador da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Depois da análise de 30 marcas de cigarros contrabandeados, o estudo verificou que os produtos apresentavam contaminação por elementos tóxicos, causada por práticas de higiene inadequadas, que podem potencializar os riscos à saúde de quem os consome.

PROPOSTA: REDISTRIBUIR IMPOSTOS

É aqui que entra a proposta da Japan Tobacco International: redistribuição dos impostos de cigarro, que “ajuda no combate ao contrabando e ao crime organizado, aumenta a arrecadação, valoriza a indústria nacional, seus trabalhadores e os agricultores familiares produtores de tabaco”.

A proposta se baseia em algo que poucos sabem: os cigarros brasileiros mais baratos e mais consumidos pagam proporcionalmente mais impostos que os cigarros premium.

Um exemplo: no estado de São Paulo, uma carteira de cigarros de R$ 12,00 tem 65,97% do seu preço composto por impostos. Um carteira de R$ 5,00 tem 82,897% de impostos. Pra fumar, o pobre paga mais, proporcionalmente. E vem daí o apelo dos cigarros de contrabando.

A redistribuição de impostos, na proposta da empresa, faria com que os cigarros mais caros pagassem mais impostos que as linhas econômicas, sem diminuir a carga tributária do setor.

A proposta tem três pilares, informa o Jornal Contábil:

– Estabelecimento de preço mínimo menor para as carteiras de cigarro, para competir com o contrabandeado;

– Criação de faixas progressivas de IPI para correção de distorções tributárias;

– Manutenção da carga tributária média atual, com possível aumento de arrecadação devido à ampliação da base.

Assim, seriam criadas faixas de preço com diferentes alíquotas de IPI, começando em 26%, para os produtos mais baratos, e indo até 35%, para os mais caros. A tributação ficaria mais justa, cobrando mais de quem pode pagar mais.

DE VOLTA À LEGALIDADE

A empresa acredita que, com essas medidas, seria possível trazer para a legalidade uma parcela dos consumidores que foram empurrados para marcas ilegais. Não haveria um aumento do número de consumidores, mas sim uma migração dos que consomem produtos ilegais para o mercado legalmente estabelecido.

E, com a queda de participação do contrabando, o governo arrecadaria mais impostos, pelo aumento da base de recolhimento.

“É bom para os cofres públicos, é justo com o setor, valoriza os milhares de trabalhadores e agricultores familiares e é mais seguro para o consumidor”, diz a empresa.

Se houver proposta melhor, que alguém apresente. Porque a Polícia Federal sabe que é impossível coibir o contrabando de cigarros em larga escala, com a fronteira de 1.365,4 km que separa o Brasil do Paraguai e com fabricantes clandestinos se espalhando país afora.

Como dizia o documento em que a PF propunha a redução do preço dos cigarros, combater o contrabando é “enxugar gelo”.

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