Argentinos que querem voltar ou visitar seus parentes se sentem abandonados pela pátria.
Desde manhã cedinho – alguns até de madrugada – havia argentinos na Aduana brasileira, esperando que a Ponte Tancredo Neves fosse aberta. Durante toda a manhã, expectativa frustrada.
Em geral, a maior queixa é de não poder voltar ao país em que nasceram e se criaram, à hora em que bem entendessem.
Um policial federal comentou o absurdo da situação. “Nunca fechamos a nossa fronteira para brasileiros ou residentes”, afirmou, criticando a posição argentina.
Havia pessoas de grupos bem variados à espera da entrada. Entre eles, três jovens argentinos que moram em Búzios, no estado do Rio de Janeiro, desde outubro de 2019, antes da pandemia.
Dois deles, ambos chamados Matías, de 26 anos e de 23 anos, moram em províncias diferentes. Quando souberam que o governo ia reabrir a fronteira, pegaram suas mochilas e rumaram para Foz do Iguaçu. Junto, o Matías mais velho trouxe a namorada, Ana, também argentina, de 26 anos.
Os Matías se deram bem em Búzios, contaram. Ambos são cozinheiros num restaurante de luxo e, com o fim da pandemia, estão ganhando bem e levam boa vida. No começo, enfrentam algumas dificuldades, mas bem inferiores àquelas que vivenciavam em suas províncias natais.
Em Búzios, os Matías têm o que – dizem eles – os argentinos mais apreciam: o mar e suas paisagens. E se sentem em casa: há muitos argentinos que moram na cidade.
Os Matías estimam entre 30% e 40%, mas uma pesquisa na Internet revela que são cerca de 5 mil, numa população de menos de 35 mil habitantes.
Embora reclamem de serem meio “apátridas” pelo que o governo faz com os que estão fora, os Matías e Ana são jovens. E, enquanto esperam, brincam e relaxam no gramado, embora vez por outra vão buscar informações na Aduana brasileira.
DA VENEZUELA
Um contraste: os jovens Matías vieram ao Brasil em busca da oportunidade que não tinham na Argentina. Mas, também à espera de ponte reabrir, estavam Néstor e sua esposa, venezuelanos, em busca de chances na Argentina.
Eles chegaram a Foz do Iguaçu há cinco dias, depois de também ouvir que a fronteira reabriria. Néstor tem um irmão e uma irmã morando em Buenos Aires; a esposa também tem parentes por lá.
Néstor sabe que a situação econômica argentina não é boa, mas também tem certeza absoluta de que está melhor do que na Venezuela, de onde saíram por não ter o que fazer pra melhorar de vida.
NORA, A PARAGUAIA
Também na Aduana, estava Nora, uma argentina de 65 anos, que mora há 35 em Ciudad del Este, no Paraguai.
Ela é aposentada e recebe uma pensão da Argentina, mas enfrenta um problema: quando fixaram seus proventos, isso foi feito em dólares. O cartão que ela recebeu, portanto, só “funciona” com dólar.
O problema é que o governo argentino bloqueou a movimentação de dólares. E ela não tem como fazer saques em pesos ou outra moeda, por isso precisa ir à agência do banco, em Puerto Iguazú, para pedir outro cartão.
Ela elogiou o Paraguai, “um país muito bom”, e disse temer que a Ponte Tancredo Neves não reabra nesta segunda. É que hoje vence o teste de covid-19.
FILHA FALA PORTUGUÊS
Um dos agentes federais em serviço na Aduana contou que conversou com um argentino que mora em Foz do Iguaçu desde o fechamento da fronteira, em março do ano passado.
Sem mais contato com o restante da família, o homem contou que a filha de uns 10 anos hoje fala português com fluência. E o policial confirmou ao conversar com ela.
O que o pai mais quer na vida, hoje, é que a filha volte a estudar numa escola argentina, depois de quase dois anos fora da escola.
QUANDO VAI ABRIR?
O mesmo policial disse, quando foi perguntado se a ponte abriria hoje: “São argentinos. E isso diz tudo”.
Segundo ele, o governo do país vizinho agiu de forma precipitada, sem um planejamento e sem antes negociar com o governo brasileiro, que exige reciprocidade, isto é, o fluxo livre dos moradores de Puerto Iguazú e Foz, e não como o governo argentino queria, de criar um corredor turístico só pra entrada de brasileiros e argentinos.
Mas, no final desta tarde, é possível que tudo seja resolvido, numa reunião de representantes do governo nacional e da província, com provável contatos com autoridades brasileiras.
Por enquanto, só passam caminhões. Uma equipe da polícia argentina está a postos no final da Ponte Tancredo Neves, impedindo a passagem.
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