Ytepopo: O nome nativo das Cataratas do Iguaçu
Usar os nomes nativos das localizações geográficas era estratégico para os colonizadores.
Por Pedro Louvain – OPINIÃO
Após a passagem da tropa de Cabeza de Vaca pelas Cataratas e pela foz do rio Iguaçu, em 1542, os espanhóis teriam outro desafio: colonizar essa área, que abrange o atual município de Foz do Iguaçu, e explorar seus recursos. Para alcançar esse objetivo, a Coroa espanhola tinha como metodologia principal a distribuição de terras aos colonos mais influentes, as chamadas encomiendas, concedidas através de um documento oficial chamado “carta de mercê”.
Os encomenderos tinham o dever de explorar economicamente a área sob sua responsabilidade e assim gerar tributos à Coroa. João Gonçalves, português e morador de Assunção, recebeu a incumbência de colonizar nosso município através de uma carta de mercê emitida no dia 8 de fevereiro de 1597, em um período em que Espanha e Portugal estavam unidos na União Ibérica (1580-1640). Esse documento foi autenticado oficialmente pelo escrivão real e de forma indireta nos legou informações importantes de um passado ainda pouco conhecido de Foz do Iguaçu e seu entorno.
Nessa carta, ficaram registrados os nomes dos caciques do final do século XVI. Na “concessão” feita a João Gonçalves continha uma tutela de 230 indígenas, provenientes em quantidades variadas de diferentes aldeias, para servirem de mão de obra escravizada, e assim acabamos por descobrir os nomes das principais lideranças nativas da região.
Cacique Ylpibo, cacique Tacambi e cacique Yacarayuru são algumas delas e todos eles tinham algo em comum: suas aldeias já haviam sido “concedidas” anteriormente para outros colonizadores europeus, mas que haviam desistido de escravizá-las, por alguma razão até o momento desconhecida.
Chama a atenção que dentro desse contingente, havia um grupo de 12 indígenas que tinha escapado de um ataque tupi contra seu povoado na região do Guairá. São fugitivos dos conflitos ameríndios internos do continente e uma das primeiras menções à recepção de “refugiados” de guerra em nosso município. O documento também determinou que João Gonçalves entregasse um dos indígenas sob sua tutela para servir a uma organização religiosa de sua escolha.
Em certo ponto, incluiu-se na tutela os indígenas que habitavam uma região que ia da “boca del ygaçu” até os saltos, para completar a quantidade inicialmente prevista. Ao fazê-lo, o documento registrou o nome nativo das Cataratas do Iguaçu: Ytepopo.
“en la boca del ygaçu por cima del salto ado, diz en ytepopo”
Carta de Mercê a João Gonçalves, 1597
Usar os nomes nativos das localizações geográficas era estratégico para os colonizadores. A utilização toponímica facilitava a comunicação com os nativos e pode ser vista em diversos contextos sulamericanos, persistindo até hoje na nomenclatura de cidades e localidades.
Mas o que significaria Ytepopo?
Os escritos do padre Antônio Ruyz de Montoya podem ajudar a responder essa pergunta. Em Tesoro de la Lengua Guarani, de 1639, mencionou que “Y” significaria rio ou água (assim como na grafia de “Y-guasu”, que significaria “rio grande”) e “po” significaria salto. O padre citou ainda que a repetição de verbos pode ter significado superlativo, de quantidade ou de intensidade. A sílaba “te” pode tratar-se de uma partícula de ligação entre os vocábulos “rio” e “salto”.
Nesse sentido, é possível delinear algumas hipóteses etimológicas: “rio que salta”, “rio que salta muito” ou “rio de muitos saltos”. De qualquer forma, todas elas guardam coerência com o conjunto de 275 quedas que formam as Cataratas do Iguaçu. Essas são apenas algumas hipóteses e o leitor é livre e bem vindo a ter suas próprias interpretações.
Também ficaram registrados os nomes dos caciques das aldeias do entorno de Ytepopo, como os caciques João Hepotaran e Matheo (nativos batizados com nome cristão, possivelmente irmãos ou parentes, pois foram mencionados separados por conectivo, indicando provavelmente uma dupla, portanto, o segundo talvez se chamasse cacique Matheo Hepotaran), o cacique Mahendi e os caciques Yalavaré e Francisco (possivelmente pai e filho).
A presença das aldeias indígenas na região nesse período pode ser confirmada pelas prospecções arqueológicas realizadas no Parque Nacional do Iguaçu ao longo do tempo, mas isso é tema para outro artigo.
Se João começou a tentar colonizar a região que vai da foz do Iguaçu até os Saltos de Ytepopo pouco se sabe, pois sua morte foi mencionada em outra carta de mercê, datada de 28 de novembro de 1597. O que sabemos de fato é a urgência que Foz do Iguaçu tem de valorizar sua história para além do eurocentrismo e da supermitificação do passado dos povos indígenas e começar a promover a trajetória real dos seus povos originários.
Pra saber mais:
LOUVAIN, Pedro. “A Missão De Santa Maria Do Iguaçu: Trajetória E Relações De Contato” Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Foz do Iguaçu, 2022 Disponível em: https://dspace.unila.edu.br/items/874364ad-be95-4326-a836-4364a2b35ac5
Figura: Urna cerâmica guarani encontrada próximo à Ytepopo, com datação aproximada do mesmo período da Carta de Mercê a João Gonçalves (séc. XVI-XVII), hoje localizada no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFPR, em Curitiba. Foto: Pedro Louvain.
Pedro Louvain é Bacharel e Licenciado em História (UFF), Mestre em Museologia e Patrimônio (UNIRIO/MAST), Mestre em História (UNILA), Doutorando em Arqueologia (UFPR), presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Foz do Iguaçu (CEPAC).
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