Região trinacional tem 39 mil famílias em moradias precárias

Marcados por grandes obras, países da fronteira atraíram migrantes de todas as partes, que vivem em meio ao caos à espera da casa própria.

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Maria de Lurdes de Oliveira, 50 anos, chegou a Foz do Iguaçu ainda criança, com pouco mais de 3 anos. Cresceu por aqui, teve um filho, mas até hoje não conseguiu uma casa própria. Ela faz parte de uma legião de moradores distantes do sonho de ter um teto para chamar de seu.

Maria é uma das exiladas do Condomínio Duque de Caxias, no bairro Morumbi. Desocupado em 2019, sob a justificativa de risco de desabamento, o conjunto habitacional abrigava 136 famílias, as quais foram alocadas em outras moradias populares ou retornaram ao aluguel, como foi o caso dela, que hoje desembolsa R$ 1 mil ao mês, com ajuda da família.

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“Amei morar ali, o lugar é bom e perto de tudo. Gosto muito de Foz, do bairro Morumbi.” Maria conta que no dia 20 de fevereiro de 2019, à noite, foi marcada uma reunião no Colégio Tancredo Neves. Ela foi e, chegando lá, recebeu a notícia de que todos os moradores teriam de desocupar os apartamentos. Deram cinco dias para que saíssem e disseram que, no mais tardar em seis meses, o problema estaria sendo resolvido, relata.

A data da desocupação, ela lembra detalhes: “Chegou a Defesa Civil e a polícia, uns dez carros, e a Caixa falando que a gente tinha que desocupar, que a gente estava em risco e ia desabar. Hoje, faz cinco anos que saímos, e até agora nada.”


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Conjunto de moradias no bairro Morumbi foi interditado em 2019, pela Defesa Civil (Foto: Marcos Labanca/arquivo)

A história de Maria ilustra uma triste realidade em Foz do Iguaçu. A cidade tem 49 favelas ou ocupações irregulares, 12 loteamentos irregulares e o Condomínio Duque de Caxias, que até hoje não caiu, na condição de conjunto habitacional degradado, conforme dados da Companhia Habitacional do Paraná (Cohapar).

Esse complexo de moradias irregulares na cidade concentra 1.625 unidades habitacionais e 6.482 domicílios. E esse movimento de expansão de áreas ocupadas parece não ter fim. Entre as localidades mais recentes estão Vila Resistência, na Gleba Guarani, Congonhas e o próprio Bubas, a maior ocupação do Paraná, com cerca de 1,8 mil moradores.

Professora de Arquitetura da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Cecilia Angileli estuda o processo de implantação de favelas na região trinacional do Brasil, Paraguai e Argentina – o que incluiu Minga Guazú, Hernandarias e Presidente Franco. Há cerca de 350 assentamentos informais e precários, com 39 mil famílias e aproximadamente 160 mil pessoas.

No artigo “Favelas da Fronteira Trinacional do Iguaçu”, publicado com outros pesquisadores em 2022, ela explica que a região é considerada uma heartland, ou seja,o coração do continente ou bloco, por isso é estrategicamente acessível a diferentes localidades, atraindo pessoas.

Mesmo diante do elevado número de assentamentos irregulares, a região não tem Plano de Habitação, de Redução de Riscos e Desastres ou mesmo políticas de melhoria ou financiamento habitacional, aponta o artigo.

A ocupação de áreas na cidade é explicada, em parte, pela chegada de grandes obras, o que acaba atraindo migrantes em busca de emprego. No entanto, em alguns casos, a situação é diferente.

O Bubas, por exemplo, que surgiu há uma década, é resultado de um transbordamento de áreas do entorno, onde já havia comunidades consolidadas, ocupadas anteriormente. Atualmente, algumas ocupações ocorrem em razão da pressão do mercado imobiliário.

Resposta social é nula

Cecilia explica que, historicamente, os grandes projetos de infraestrutura têm conduzido direta ou indiretamente o adensamento de áreas precárias e informais. A questão: cada vez que essas obras chegam, não há resposta do poder público, ou seja, políticas públicas para acolher a população vulnerável.

“Quando eu anuncio um grande projeto ou começo a execução, eu trago para o território essas duas forças, investidores e população vulnerável, que vão disputar essa paisagem, o que leva a conflitos fundiários a situações de violações de direitos humanos urbanos e principalmente para processo de favelização, que pode durar por décadas, que é o próprio caso da Itaipu.”

Outra preocupação da professora é em relação aos extremos climáticos, situação que vai permear a vida nas cidades daqui para frente. Ela lembra que há pessoas vivendo em casas precárias, e as chuvas são cada vez mais desafiadoras, assim como as altas temperaturas e os problemas graves de drenagem.

Bairro San Rafael, em Ciudad del Este, costuma ser a área mais atingida pelas cheias do Rio Paraná na fronteira. Imagem: Gentileza/Itaipu Binacional/Paraguai
Bairro San Rafael, em Ciudad del Este, costuma ser a área mais atingida pelas cheias do Rio Paraná na fronteira. Imagem: Gentileza/Itaipu Binacional/Paraguai

E mesmo assim, a capacidade de resposta do poder público, do ponto de vista dos extremos climáticos e gestão de risco, é quase nula.

Necessidade de emprego atraiu sonho da casa própria

As grandes obras de Foz do Iguaçu se configuram marcos para atração de gente e surgimento de moradias irregulares. Elas atraíam não só migrantes à procura de trabalho, mas também agricultores expulsos das áreas rurais pela mecanização agrícola e pela monocultura.

O Jupira é considerado a primeira favela de Foz do Iguaçu, que começa a formar-se com a construção da Ponte da Amizade, cujo início foi em 1956. Na outra ponta da cidade, foi a edificação da Ponte da Fraternidade, no final da década de 1970, que fez brotar ocupações na região do Porto Meira.

Bubas é a maior ocupação urbana do Paraná

 A efervescência em torno da construção da Itaipu Binacional atraiu para Foz do Iguaçu pessoas de todas as partes do país. Muitas não conseguiram emprego e foram parar no comércio informal do Paraguai e sem casa para viver, em favelas.

Já naquela época, década de 1980, uma das áreas que começaram a ser ocupadas foi a região da Avenida Costa e Silva, às margens do Rio Paraná. O historiador Pena Catta menciona que em 1989, cinco anos depois do término da obra de Itaipu, 7.986 pessoas já viviam em aglomerações irregulares; em 1991, o número já era de 12.997.

Muitas dessas áreas eram formadas por trabalhadores que não conseguiram emprego na construção da usina.

Prefeitura diz que Fozhabita tem 9.300 inscrições, mas apenas 4.500 são aptas

A Prefeitura de Foz do Iguaçu, por meio da assessoria de imprensa, informou que o município já regularizou aproximadamente três mil moradias e outras três mil estão em processo de regularização por meio do Programa Moradia Legal, em parceria com o Tribunal de Justiça e o Ministério Público.

Atualmente, o cadastro do Fozhabita conta com 9.300 inscrições, das quais apenas 4.500 estão atualizadas e aptas para participar dos programas habitacionais.

Nos últimos três anos, o município entregou diversas unidades habitacionais, incluindo 916 unidades dos conjuntos residenciais Angatuba I e II e Boicy I e II em 2020; 40 unidades do Conjunto Residencial Lagoa Azul – Condomínio do Idoso; e 25 unidades, em convênio com Itaipu, na Vila C, em 2021.

Quanto à situação dos moradores do Conjunto Duque de Caxias, os contratos do condomínio são firmados entre a Caixa Econômica e os mutuários, e a prefeitura não tem conhecimento dos trâmites específicos desses contratos.

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2 Comentários
  1. Cleide Martins Diz

    Morei anos no Jupira com meu marido de aluguel porque era o imóvel de um amigo e não descontava água e luz. Depois ele teve que fazer um preço q n conseguimos pagar. Ficamos em pânico, estou com vários problemas de osso mas n tenho idade de aposentar, tudo que temos vem do conserto de computadores. Atividade do meu marido. Meu amigo nos apresentou um comerciante que nos cedeu um apto no Paraguai. Difícil, tudo nessa cidade vai pro Turismo. Imagine eu tenho 54 anos meu marido quase 60. O que vamos fazer quando esse aqui tb pedir o imóvel de volta?

  2. Kiko Diz

    Região TRINACIONAL???Certamente falta combinar com os Argentinos e Paraguaios,né .

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