Mototaxista pioneiro em Foz do Iguaçu relembra 30 anos de histórias sobre duas rodas

Trabalhando na Ponte da Amizade, “Tchiano” chegou a fazer 50 viagens por dia e se lembra de um acidente trágico; atividade contribui para gerar emprego e renda a inúmeros trabalhadores.

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R$ 1 para ir, outro para voltar. Esse foi o chamariz exaustivamente repetido por Salustiano de Oliveira, o “Tchiano”, em busca de passageiros para atravessar a Ponte Internacional da Amizade. Mototaxista pioneiro em Foz do Iguaçu, ele começou a desbravar a profissão há exatamente 30 anos, na fronteira do Brasil com o Paraguai.

Durante viagem para Santa Catarina, uma novidade: percebeu o acúmulo de motocicletas circulando de um lado para outro. Foi assim que soube que eram trabalhadores conduzindo passageiros em duas rodas de um bairro a outro de Camboriú.

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A ideia de desenvolver em Foz do Iguaçu o serviço do qual acabara de tomar conhecimento surgiu automaticamente. Isso era 1994. “Eu e mais três amigos começamos fazer o transporte de passageiros na Ponte da Amizade, cobrando R$ 1 a corrida, tanto para ir como voltar”, rememora “Tchiano”.

Aos 60 anos hoje, passou, portanto, a metade de sua vida no trabalho com a moto. Nascido em Quedas do Iguaçu, no Oeste, ele escolheu o município iguaçuense para viver e trabalhar há quase quatro décadas. Quando decidiu ser um dos fundadores da atividade de mototaxista na fronteira, eram os tempos do Plano Real, em que R$ 1 tinha o seu valor.


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Nesse período, o país era dominado pela inflação, com uma política de valorização artificial da moeda nacional, que pouco depois cobraria a fatura. Mas foi possível ao trabalhador escapar da inflação que fazia um produto custar até 300% a mais de um dia para o outro, além da falta de alimentos nas prateleiras.

Em 1994, o Brasil também sofreu com a perda de figuras marcantes, como Ayrton Senna, que faleceu em um acidente no Grande Prêmio de Ímola, o maestro Antônio Carlos Jobim e o comediante Mussum. Além disso, jovens ao redor do mundo lamentaram a morte precoce de Kurt Cobain, vocalista do Nirvana e um dos maiores ícones do grunge.

Nesse ano, os brasileiros também puderam gritar a plenos pulmões: “É tetra, é tetraaaa, é tetraaaaa!” A seleção brasileira conquistou a Copa do Mundo, sediada nos Estados Unidos.

“Éramos quatro”

No início das corridas, não diferente da atualidade, os passageiros de motos eram turistas, muambeiros e brasileiros que atuavam no comércio e no serviço paraguaio. “A diferença para hoje é que a quantidade de pessoas que cruzavam a ponte todos os dias era imensa”, relembra “Tchiano”.

“Cada mototaxista chegava a fazer mais de 50 corridas em um dia. Percebemos que precisávamos de um lugar para nos organizar e abrimos o nosso primeiro ponto, em frente do antigo Hotel Luana, na Vila Portes, onde hoje é um estacionamento”, conta. Logo, decidiram mudar de endereço.

Foram seis meses de experimentação, indo e vindo pela via entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, até que os quatro mototaxistas resolveram expandir a oferta do serviço aos bairros. “Fomos para a região da rodoviária, ao lado da Pousada Sarandi. Lá, chegamos a ter mais de 500 trabalhadores, pois nessa época já existiam outros pontos de mototaxistas, a atividade estava em expansão”, resgata. Entre os pontos, cita “Tchiano”, havia o Cataratas, Iguaçu e Floresta.

Pousada Sarandi, perto da Rodoviária Internacional. No local, Tchiano e três amigos implantaram um dos primeiros pontos de mototaxistas em Foz do Iguaçu, na década de 1990 – foto: Marcos Labanca

Jornada de perigo

Embora sejam antigas as leis de segurança do trabalho no país, não havia legislação da profissão de mototaxista. Freneticamente movimentada, a Ponte da Amizade era um “lugar sem lei”, em que carros, motos e caminhões brigavam por um espaço em busca da travessia, até mesmo com o alto número de “laranjas” que se arriscavam a pé no trânsito.

“Não havia segurança, não havia barras de proteção dos lados. A única exigência era o capacete, e muitos de nós não usávamos. Às vezes, apenas o passageiro utilizava”, revela o veterano mototaxista. “Eu nunca sofri acidente, mas eles aconteciam diariamente e perto da gente”, afirma. Ao falar sobre segurança, emociona-se ao lembrar-se do amigo mototaxista que faleceu decapitado por não ver a corrente de bloqueio na Ponte da Amizade em 2022.

“Por um lado, a legislação trouxe mais segurança aos trabalhadores, com a exigência de colete e capacete. Por outro, as taxas a pagar sempre foram grandes para nós”, critica. “Muitos fizeram o trâmite e legalizaram suas atividades, mas acabaram abandonando por não aguentarem as exigências dos órgãos públicos, que sempre cobraram muito e ofereceram pouco ou quase nada para os trabalhadores”, pensa “Tchiano”.

Na lida diária, mototaxistas dividem espaço entre carros e caminhões na Ponte da Amizade – foto: Marcos Labanca

Novos tempos

Com o surgimento dos aplicativos nos anos recentes, muitos deixaram de ser mototaxistas para dedicar-se a entregas, porque não pagam impostos, apenas a taxa descontada da detentora da tecnologia. Entretanto, para garantir o sustento, há muitos trabalhadores que precisam transportar passageiros na Ponte da Amizade de dia e fazer entregas por app à noite.

“Embora ainda hoje são muitas corridas feitas pelos mototaxistas, nunca conheci nenhum que ficou rico”, avalia. “Como a maioria dos trabalhadores no país, ganham apenas para sobreviver e pagar, de forma autônoma, o carnê da Previdência, para tentar garantir uma aposentadoria futura”, destaca Salustiano de Oliveira.

Placa faz homenagem aos trabalhadores mototaxistas, instalada na parede da Pousada Sarandi – foto: Marcos Labanca

Há 30 anos e ainda hoje

Após tanto tempo na profissão, “Tchiano” ainda trabalha diariamente na Ponte da Amizade, embora hoje faça menos corridas. “Antes, ia para sobreviver. Agora vou por distração, para rever os amigos, para não ficar sem fazer nada e para sentir a sensação da travessia da ponte”, diz, aludindo à adrenalina que a atividade produz.

Para o profissional, o conjunto da sociedade não consegue mensurar e compreender a importância dos mototaxistas para a cidade, principalmente quanto a empregos e renda, diante de um quadro em que o poder público é incapaz de responder a essa demanda plenamente. “Nós contribuímos para desafogar o trânsito em Foz do Iguaçu”, conclui “Tchiano”.

Mototaxistas em Foz do Iguaçu

O Instituto de Transportes e Trânsito (Foztrans) cita que a legislação municipal referente à atividade de mototaxista entrou em vigor em 2013, com a Lei n.º 4116. Segundo a autarquia, apesar disso, desde 2003, a administração vem registrando o número de profissionais em Foz do Iguaçu, que contabiliza:

ANO    MOTOTAXISTAS

2003                560

2004                600

2005                600

2006                600

2007                600

2008                600

2009                600

2010                640

2011                640

2012                665

2013                665

2014                590

2015                550

2016                501

2017                479

2018                454

2019                433

2020                410

2021                294

2022                282

2023                261

2024                233

*Números aferidos pelo município, não reportando necessariamente a totalidade de mototaxistas no município.

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3 Comentários
  1. Félix Archanjo Bordin Diz

    Prezado Amilton Muito bom relato mototaxista em seus 30 anos de Ponte da Amizade Lembro quando pela primeira vez atravessamos a ponte da Amizade a pé Bons tempos após inauguração da Ponte Um abraço e Saudações

  2. catedral Diz

    é quase tudo o que ele falou é verdade
    menos aparte que ainda tein muita s corrida
    pode até ter para. os motoqueiro clandestino
    menos pra nois moto 🛵 taxista
    céu depender de cuida não pago Nei o caarne do NSS foi um tempo muito bão

    soque agrande verdade é que o órgao de
    trazit abandonou a nossa categoria
    deveria de deixar de cobar tão caro

  3. Jose Olimpio Diz

    Bela reportagem.
    Trabalho como mototaxista no município de Registro -SP, no Vale do Ribeira, e sei das dificuldades que é exercer essa profissão.
    Mas o prazer de estar sobre duas rodas todo dia e o dia todo é muito gratificante.
    Além do fato de se conhecer muita gente e fazer muitas amizades.
    Parabéns mais uma vez pela reportagem.

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