Foz do Iguaçu, 1924: passeie pela cidade de um século atrás

Para chegar à Terra das Cataratas, viagem mais comum era de barco, via Argentina; porto ficava às margens do Rio Paraná.

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Desde o início do mês, o portal H2FOZ está publicando uma série de conteúdos especiais sobre os 110 anos do município de Foz do Iguaçu (clique aqui para conferir tudo o que já foi ao ar).

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A proposta de hoje é mais lúdica: você consegue imaginar um passeio pela cidade de um século atrás, que estava recém completando dez anos de emancipação? Reserve um tempinho para a leitura e embarque conosco nessa viagem ao passado.

De barco

Vamos começar pelo caminho até a fronteira. Digamos que você esteja na capital do Paraná, Curitiba, em junho de 1924. Como a maioria dos viajantes, você descartará a viagem por terra, pois a rota para o Oeste é lamacenta e povoada por mosquitos e “feras”.


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A opção mais convencional e confortável será descer a Serra do Mar e pegar um barco para Buenos Aires. Na moderna capital argentina, você trocará de embarcação e subirá o Rio Paraná rumo a Corrientes, Posadas e ao encontro entre Argentina, Paraguai e Brasil.

Em seu diário de jornada, você fará várias anotações, como a festa da chegada do barco a cada porto, as jangadas com imensas toras de madeira descendo o Paranazão e as reações de seus colegas de barco, que se maravilharão com as partes desmatadas da barranca (“o progresso”) e desprezarão as léguas e mais léguas de florestas ainda em pé.

A chegada à foz do Rio Iguaçu ocorrerá após dias e noites de sacolejos pela inóspita rota do Rio Paraná, considerada perigosa por muitos navegadores, devido ao isolamento.

Após muitas escalas na Argentina (e algumas no Paraguai), você se despedirá da tripulação e dos poucos viajantes que continuarão no barco, para descer na primeira parada em território brasileiro, na vila chamada Foz do Iguassú.

Tal como nos portos anteriores, homens, mulheres e crianças virão ver a chegada da embarcação, em busca de encomendas e novidades de Posadas e Buenos Aires. Você perceberá que, apesar de já estar no Brasil, o idioma e o dinheiro continuarão os mesmos: espanhol e o bisavô do atual peso argentino.

Chegada

Subir a barranca do Rio Paraná, com bagagem, não será fácil, mas você pagará, de bom grado, uma carroça para levá-lo(a) à parte alta. Do porto, o pouco que você verá da cidade é uma instalação militar, utilizada pela Marinha.

Enquanto a carruagem sobe a barranca, o carroceiro lhe informará, com forte sotaque paraguaio, que você “está com sorte”: há vagas no Hotel Brasil, do Sr. Frederico Engel, que já foi usado por nomes famosos como o inventor Alberto Santos Dumont.

No mais, esqueça as referências atuais: a Foz do Iguaçu de 1924 é um povoado simples, com não mais que uma centena de casas, ruas de terra, muitas crianças e uma bela igreja em construção, quase pronta (se ficar até 24 de junho, você terá a chance de presenciar a missa inaugural).

A cidade que você encontrará será ainda mais rústica que a da imagem, datada da década de 1930. Foto: Acervo Fundação Cultural
A cidade que você encontrará será ainda mais rústica que a da imagem, datada da década de 1930. Foto: Acervo Fundação Cultural

A vida da cidade gira em torno de uma via mais larga (atual Avenida Brasil), em cuja baixada corre um rio (Monjolo). Lembre-se: comodidades como água encanada e eletricidade ainda não estarão disponíveis no então novíssimo “Velho Oeste”.

Inaugurado em 1915, o Hotel Brasil, como praticamente tudo na cidade, é de madeira. Sorridente, o proprietário lhe informará que há uma filial, o “Hotel Brasil nos Saltos”, que você certamente utilizará quando for aos “Saltos do Rio Iguassú”. “São muito bonitos”, recomendará o hoteleiro.

Figuras históricas

Visitar as Cataratas em “estado bruto” é um atrativo inegável. Seu objetivo inicial, contudo, será conhecer as pessoas que povoam a Foz do Iguaçu de um século atrás (as mesmas que, hoje, dão nome às ruas e avenidas da cidade).

Em 1924, a política vivia a transição entre o primeiro prefeito, Jorge Schimmelpfeng, e seu sucessor, Jorge Sanwais, então presidente da Câmara. Ocupados com negócios de terras, madeira e erva-mate, ambos não terão muito tempo para receber forasteiros, mas você poderá tentar uma agenda.

Também atarefado, mas com especial prazer em “prosear” com visitantes, o Monsenhor Guilherme fará as honras da casa entre uma correria e outra para a inauguração da Igreja São João Batista (cujo prédio original será destruído por um incêndio em 1925).

Incêndio do templo original da Igreja São João Batista, em 1925. Foto: Acervo Harry Schinke
Incêndio do templo original da Igreja São João Batista, em 1925. Foto: Acervo Harry Schinke

Os “camaristas” (nome dado aos então vereadores) Othon Maeder e Fulgêncio Pereira também serão referências úteis, bem como as esposas de muitos dos nobres cavalheiros da cidade, cujos nomes, na maioria dos casos, não chegaram aos nossos tempos.

Se autorizada a falar, a jovem Otilia Schimmelpfeng, filha do prefeito Jorge, poderá dar relatos preciosos, recordando, entre outros causos, o baile do centenário da Independência do Brasil, que reuniu, em 1922, a população no “Hotel Brasil nos Saltos”.

Em um horizonte não muito distante, Foz do Iguaçu será ocupada pelos revolucionários da futura Coluna Prestes, cuja formação ocorrerá na cidade, em 1925. Os moradores da pacata Foz do Iguassú, porém, ainda não sabem disso (e nem pense em contar a eles).

Visita às Cataratas

Combine com o Sr. Frederico Engel uma carruagem para fazer a viagem de seis horas entre a cidade e os Saltos do Iguassú. Recém-aberto, o caminho é marcado por paisagens fascinantes, como bambuzais e poças de água cobertas por borboletas.

Prepare-se para sacudir na viagem de meio-dia até os Saltos do Iguassú. Foto: Acervo Fundação Cultural
Prepare-se para sacudir na viagem de meio-dia até os Saltos do Iguassú. Foto: Acervo Fundação Cultural

Os pioneiros do turismo iguaçuense falarão sobre a necessidade de melhorar a estrada, ampliar o hotel e trazer mais barcos para a fronteira, manifestando até uma certa inveja em relação aos vizinhos argentinos, cujo hotel já está mais avançado.

Enquanto avança rumo às Cataratas, você ouvirá, de longe, o barulho das quedas. A estrutura à sua disposição será rústica (e insegura para os padrões atuais), com degraus escavados na rocha e caminhada entre as pedras pela margem do Rio Iguaçu.

Difícil? Certamente. Mas pense que, fora as pessoas que lhe acompanharão para garantir que você não se perca, não haverá mais nenhum turista, nenhum ruído a não ser o da própria natureza nas Cataratas. A experiência será transformadora.

Primeiros visitantes tinham acesso a locais hoje restritos, como as pedras da barranca do Rio Iguaçu. Foto: Acervo Harry Schinke
Primeiros visitantes tinham acesso a locais hoje restritos, como as pedras da barranca do Rio Iguaçu. Foto: Acervo Harry Schinke

Sábio Bertoni

Antes de deixar a Foz do Iguaçu de 1924, pergunte por um suíço que vive na barranca do Rio Paraná, na margem paraguaia, mas que volta e meia vem à cidade para vender bananas e outras frutas de seu fértil pomar.

O suíço é o cientista Moisés Bertoni, também chamado de Sábio Bertoni pelos moradores locais. Com um pouco de sorte, você conseguirá visitá-lo em seu casarão na curva do Paranazão, logo após a foz do Rio Monday.

Bertoni poderá mostrar um de seus tesouros, a primeira gráfica da fronteira, e conversar sobre inovações como o calendário que indicará aos agricultores, durante décadas (com razoável precisão), os dias mais prováveis para chuvas na região.

Malas prontas

Desconheço como estará seu tempo, mas eu aproveitaria a excursão ao passado para subir o Rio Paraná até Guaíra e visitar as Sete Quedas do Rio Paraná, que serão submersas para a formação do lago de Itaipu, em 1982.

Se a opção for refazer o caminho e voltar via Buenos Aires, não esqueça de anotar tudo o que viu na viagem, já que a memória costuma ser traiçoeira.

Ao deixar para trás a Foz do Iguaçu de 1924, esteja certo de que aquela poeirenta cidade, praticamente isolada do restante do território brasileiro, terá pela frente um futuro brilhante, sobre o qual estaremos falando no distante ano de 2024.

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18 Comentários
  1. Ana Teles Diz

    Parabéns pela matéria! Informações muito interessante, além de prazerosa a leitura: como uma conversa com um amigo!

  2. José motta Diz

    Bela história.acho que as empresas de turismo local deveriam falar sobre estas histórias..
    .principalmente as que operam dentro dos hotéis…já estive três vezes visitando a cidade e nunca tinham me contado NADA

  3. Marcelo Diz

    Texto fantástico!

  4. Cátia Susane Pilger Diz

    Parabéns pela reportagem. Amei. Me vi viajando em tudo conforme escreveu. Seria ótimo ler um livro assim, contando a história de foz por esse olhar desbravador. Parabéns novamente. Excelente.

  5. Fernanda Diz

    Estou encantada com esse texto. A forma de que nos remete à época. Brilhante!

  6. Nelson Diz

    Lindo texto Guilherme!
    Muito melhor pelo lugar único.
    Acrescente “descer para Paranagua”, coisa assim, pois poucos se dão conta do nosso relevo no sul/Sudeste – os rios fogem do mar, e o país era grande e sem estradas.
    Pois a volta por BUE desde sempre é difícil de imaginar.
    Parabéns, Guilherme!

  7. Ricardo Sanchez Diz

    Parabéns pela matéria e pela narrativa, ler foi como estivesse vivenciando a viagem!

  8. Suzana Paula Rodrigues dos Santos Diz

    Adorei a matéria, me senti nesse passeio vendo tudo o que eles viram e sentindo, maravilhoso, obrigada

  9. Edi Diz

    Parabéns Guilherme, que delícia ler esse texto cara. Obrigado e continue escrevendo, você é fera. Grande abraço. Edi ( professor aposentado)

  10. Fabio Renê Diz

    Parabéns, texto maravilhoso, fez minha imaginação, voar longe.

  11. Jorge Diz

    Belo texto! Parabéns!

  12. Débora Soares Diz

    Que delícia de leitura, parabéns

  13. Ali Diz

    Parabéns pela excelente matéria…leitura prazerosa, além de um mergulho ao passado da nossa amada cidade!!!

  14. Luiz Carlos Diz

    Que linda maneira de contar a história da nossa cidade! Fiquei viajando no tempo…rsrs – parabéns! ??

  15. José Valnei Alves Peffe Diz

    Olá,sou natural de Foz do Iguaçu,e parabéns pra ela que vi crescer e transformar – se nessa rica metrópole,onde me recordo do grande rio boicy que pegava peixes com as mãos nos dias de chuva mas sei ,o progresso é bom e através dele também vem as consequências,, Felicidades ?

  16. Sandra Diz

    Que história encantadora! E vc conta a história e a gente viaja junto, nesse tempo que eu nem fazia ideia como era… parabéns.

  17. Andrea Cristiane Diz

    Nossa!! Viajeii e ameiii aqui com sua história. Parabéns!!

  18. Mara Diz

    Estou maravilhada…..parabéns pela viagem que me fez retornar a história da minha amada cidade Natal!!! Gratidão

Comentários estão fechados.