É Foz uma cidade resiliente? Balanço para o Dia Mundial do Meio Ambiente

Luciana Ribeiro, bióloga, e Ana Silvia Fonseca, professora da UNILA, falam sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente.

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Por Luciana Ribeiro e Ana Silvia Fonseca – OPINIÃO

De repente parece que virou moda falar em cidade (climaticamente) resiliente. Mas o que é isso mesmo? Uma nova maneira de dizer estar preparado para catástrofes climáticas de diferentes tipos: enchentes, secas, tornados, tempestades elétricas, vendavais, incêndios, granizo. No caso de Foz do Iguaçu, são mais comuns os vendavais, enchentes e granizo. Outras perguntas: será a resiliência apenas moda realmente? E será que foi de repente mesmo que passamos a falar disso?

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Pois bem. Vamos aos fatos. Em 2015, tempestades intensas deixaram parte de Foz do Iguaçu desabrigada, a região do Porto Meira foi o grande exemplo. Nos anos seguintes, sobretudo entre novembro de 2017 e início de 2018, a cidade foi atingida por minitornados que derrubaram árvores na Avenida Paraná, placas e outdoors pelo Maracanã e deixaram até mesmo o Shopping JL Cataratas sem energia elétrica.

A cidade foi atingida por minitornados que derrubaram árvores. Foto: Marcos Labanca.

Olhando um pouco mais longe no continente encontramos mais situações mostrando que as mudanças climáticas têm colocado à prova a resiliência das cidades. A cada verão, as queimadas avançam mais em intensidade, frequência e área, do extremo Norte do continente, no Canadá, até o Sul, na Argentina e no Chile. Nem mesmo o Havaí escapou: no ano passado, um incêndio nesse arquipélago do Pacífico foi noticiado como o mais mortal em mais de um século.


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Nos Estados Unidos e na América Central e Caribe, a temporada de furacões está se ampliando devido ao aumento da temperatura no oceano. Hoje, tanto furacões e tornados quanto incêndios florestais têm nome: Katrina, Dora, Tubbs, Tamarack, Bootleg. Isso ajuda a Defesa Civil, as brigadas e todo poder público no reconhecimento do foco e da direção de tais fenômenos.

Já se sabe que o Aquecimento Global dobrou a chance de episódios extremos como o ocorrido neste abril/maio e elevou de 6% a 9% o volume de chuvas no Rio Grande do Sul. As perdas econômicas e histórico-culturais são enormes e os impactos psíquicos, incalculáveis.

Rio Grande do Sul – Foto: Ricardo Stuckert / PR

Estar preparado, ser resiliente, envolve várias medidas, desde o tipo e localização das construções, infraestrutura urbana adaptada, o sistema de contenção e captação de grandes e súbitos volumes de água, até o treinamento da população e dos órgãos técnicos para as emergências.

Há medidas de atendimento, socorro e reconstrução. Essas deveriam ser raridade, exceção mesmo. Só que na prática ainda são elas que dominam o cenário mundial. Ou seja, a resposta aos efeitos das mudanças climáticas tem sido principalmente reativa.

Depois do dano acontecido, organiza-se alguma ação, muitas vezes no improviso. Restam as perdas de todos os tipos, a desesperança, a indignação, sensação de abandono e impotência. Anos de trabalho para recuperar o que ainda é possível. Quando possível. Em outra conversa, com mais tempo, poderíamos discutir as razões disso. Mas adiantamos,  o capitalismo de tragédia tem sua cota de culpa no cartório — “poupar na prevenção pra ganhar na recuperação”.

O necessário e mais adequado seria cada cidade estudar suas fragilidades e tratar de resolvê-las de verdade. Melhor ainda se as iniciativas estiverem sob a segurança de políticas públicas continuadas e coordenadas.

Isso envolve planejamento urbano, associado ao planejamento técnico em outras áreas, como saúde, meio ambiente, educação, segurança social, inovação tecnológica; financiamento suficiente; legislação e normas técnicas funcionantes; além, é claro, de funcionários públicos qualificados e valorizados; comunidade informada, sensibilizada e capacitada a agir e reagir diante dos extremos climáticos cada vez mais recorrentes e esperados.

Nada disso é difícil tecnicamente ou inviável financeiramente. Na China, as cidades de Taizhou e Jinhua dão um show de resiliência. São exemplos de cidades-esponja, prontinhas para absorver, distribuir, drenar e armazenar a água, evitando alagamentos, problemas de saúde, perda de vidas e prejuízos materiais.

O que elas fizeram? Se adaptaram. Reformaram e construíram infraestrutura verde, como parques, encorpamento de matas ciliares, hortas urbanas, telhados verdes, jardins de chuva, áreas de lazer alagáveis, concreto e asfalto permeáveis, entre outras medidas que favorecem a drenagem urbana, amenizam a temperatura, evitam a seca e melhoram a convivência e a saúde das pessoas.

Outro exemplo bem mais perto de nós é Medellin, na Colômbia, que passou de cidade mais violenta a cidade mais inovadora do mundo. Habitação saudável, espaços públicos inclusivos e verdes, promoção de territórios acolhedores, integração de projetos na perspectiva da acupuntura urbana e a partir do orçamento participativo, são algumas das medidas já consolidadas. Mas tem mais! Desde 2016, a cidade se dedica à construção de corredores verdes, unindo diferentes regiões do município.

São mais de 30 corredores e 124 parques interligados por eles. Com isso, a temperatura de Medellín reduziu em 2ºC, toneladas de carbono são removidas da atmosfera anualmente, a poluição foi significativamente reduzida melhorando a qualidade do ar e a vida silvestre voltou à cidade.

O segredo? Participação social na tomada de decisões, integração dos diferentes órgãos municipais na criação, revisão e implantação dos projetos urbanísticos, equipes multiprofissionais interdisciplinares específicas e respeitadas, para cuidar do desenvolvimento urbano.

Neste 05 de junho, dia mundial do meio ambiente, vale trazer a reflexão para a terra das Cataratas. O que temos feito em Foz para nos tornarmos uma cidade climaticamente resiliente? A esta altura, você já deve ter entendido o espírito da coisa: árvores são fundamentais! Participação social é necessária! Decisões e ações técnicas são imprescindíveis.

Um rápido inventário:

Resiliência programada. Como resultado do Projeto Cooperação Triangular Urbana, que envolveu os municípios da fronteira trinacional, as respectivas prefeituras e órgãos técnicos, a Universidade de Leeds/ Inglaterra e seus parceiros internacionais, o Pólo Iguassu, a UNILA, o CODEFOZ, entre outros colaboradores, em 2017 foi disponibilizado às prefeituras o relatório com o diagnóstico das vulnerabilidades climáticas locais e projetos de adaptação e mitigação, tudo construído participativamente no processo. No saldo final, além da listagem de 24 problemas críticos e das opções de soluções adequadas correspondentes, os municípios definiram 5 prioridades essenciais, assinaram acordos de cooperação, participaram de rodada de negociações com financiadores internacionais para implantação das medidas prioritárias. Um avanço, sem dúvida! Seria interessante conhecer o andamento da implantação dos projetos.

Políticas públicas. O ano é 2020. Apesar da pandemia, duas importantes políticas foram aprovadas no município: o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica ou PMMA (em julho) e a Política Municipal de Educação Ambiental ou PMEA (em dezembro). Dois golaços em um semestre. Cada um deles resultado de anos de trabalho intenso. Verdadeiro presente para o município. Estamos torcendo pela materialização das responsabilidades assumidas com estes planos.

Lixo. A frente de maior dedicação e sucesso da Secretaria Municipal de Meio Ambiente — SMMA nos últimos anos tem sido a gestão dos resíduos. Temos coleta seletiva em todo o município, agora já são 8 cooperativas contratadas, houve ampliação do aterro e instalação de geradores de biogás em edifícios públicos e escolas municipais. E ainda podemos fazer mais: quem sabe chegar à compostagem de todo o resíduo orgânico? À implantação de indústrias recicladoras ou usinas de reciclagem? A 100% de reaproveitamento de materiais? À produção de energia a partir dos resíduos? À eliminação dos descartáveis e plásticos de uso único na cidade? À redução do consumo? À gestão adequada de resíduos em todos os condomínios e empresas? À eliminação do descarte clandestino de resíduos na cidade? Sugiro ao/à leitor/a visitar o aterro pra visualizar o volume de lixo descartado em Foz. Banho de realidade faz bem.

Mobilização social. Multiplicaram-se os movimentos e organizações ambientalistas na cidade; melhorou a cobertura jornalística na temática ambiental; novos coletivos de atuação se formaram; consolidaram-se os grupos de extensão e pesquisa voltados à questão socioambiental (Observatório Educador Ambiental Moema Viezzer — OBEAMV, Doc Ambiente, Tippa, Yporã, Desplastifique-se, entre outros), aprofundando a participação na construção de soluções para a cidade e monitoramento de políticas públicas; a agroecologia se aprofundou; grupos de consumo consciente e compras coletivas surgiram; propostas de hortas comunitárias se multiplicaram; ciclistas, fotógrafos e observadores de aves se articularam etc.

Eventos. Há diversos eventos ambientais periódicos na cidade se consolidando, como o Fórum Permanente das Árvores e a Semana Lixo Zero. É só se organizar e participar.

Parques municipais. Esta era uma necessidade antiga. Finalmente, em 2023 Foz ganhou novos parques municipais para a população e um setor específico para cuidar deles na SMMA. Agora só falta sair do papel.

Parque Nacional. O Parque Nacional do Iguaçu agora tem um PPPEA — Projeto Político Pedagógico de Educação Ambiental. Concluído no início de 2024, após dois anos de trabalho, o PPPEA orientará as ações do parque nos próximos anos. Não apenas isso, o parque também publicou o Plano de Uso Público em 2020, protagonizou a criação do Programa de Interpretação Ambiental, atualizou seu Plano de Manejo, estreitou relações com a comunidade lindeira, ampliou o número de projetos e parcerias, reformulou o Conselho Consultivo, entre muitas outras iniciativas.

parque nacional do iguaçu
A exuberância das Cataratas do Iguaçu, atração mundial – foto: Bruno Bimbato

Pendências. Além de implantar seriamente as políticas aprovadas recentemente (PMMA, PMEA, Parques Municipais), resta à prefeitura investir mais ostensivamente em arborização urbana, incluindo inventário, manutenção e reposição da vegetação, substituição adequada, formação e orientação para plantios e podas corretas tecnicamente e socialmente, criação de corredores verdes conectando os bosques, ampliação do plantio de árvores nas ruas e praças. Além disso, o Plano Diretor e outros documentos orientadores do planejamento da cidade precisam ser compatibilizados, sob a ótica da gestão e da regeneração ambiental.

Avenida Pedro Basso é uma das mais exuberantes da cidade. Imagem: Marcos Labanca/H2FOZ

Saúde. Cuidar da saúde ambiental é cuidar da saúde das pessoas. Temos bastante trabalho pela frente para recuperar e despoluir rios, reduzir e eliminar a poluição sonora, luminosa, visual, da água, do solo e do ar. Ajudar as pessoas a compreenderem o risco dos agrotóxicos na horta e no jardim. A se alimentarem com comida de verdade, livre de contaminantes e conservantes. A usufruir de banhos de floresta regeneradores — e para isso são necessários bosques e parques preparados.

Créditos de compensação de carbono. Plantar árvores adequadas, especialmente as nativas, diminui a pegada de carbono e torna a cidade resiliente. Outras formas são o bom aproveitamento dos resíduos, o incentivo ao uso da energia solar e da captação da água de chuva, a construção de jardins de chuva, praças e parques na cidade. Unir esforços para criar sinergia e convergência entre o plano diretor, a PMEA, o PMMA, a gestão de resíduos, a recuperação ambiental, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável — ODS, a gestão ambiental na administração pública, o investimento em ecotecnologias, a diversificação do turismo para as frentes do turismo ecológico, científico, educativo e de base comunitária… pode, além de trazer mais saúde ambiental e qualidade de vida para os habitantes e visitantes de Foz, criar resiliência climática e render créditos de carbono ao município para reinvestir na sustentação e ampliação das medidas.

Foto: Marcos Labanca

Paradiplomacia ambiental. Foz tem uma Diretoria de Assuntos Internacionais vinculada ao gabinete do prefeito. Uma de suas importantes tarefas é alinhar as políticas ambientais das cidades da fronteira, já que o funcionamento da natureza ultrapassa limites nacionais e sua gestão necessita de estratégias conjuntas e complementares. O acesso aos bens naturais é requisito para sociedades mais justas e nesse sentido a paradiplomacia ambiental tem o papel de estimular nos governos locais a sustentabilidade de forma transversal. O grupo de pesquisa em paradiplomacia ambiental, da UNILA, tem colaborado ativamente para a construção dessa cultura na região.

O cuidado com as árvores, o lixo e a água: essas foram as três preocupações indicadas pelos moradores de Foz na pesquisa de percepção ambiental que fizemos a partir do Coletivo Educador Municipal (CEMFI) em 2018 e 2019. No OBEAMV temos trabalhado pela melhoria da relação da comunidade e do poder público com esses 3 fatores. Se você é aquela pessoa pronta pra colocar mãos à obra, participe do monitoramento do PMMA e da identificação dos locais de descarte irregular de resíduos.

Poderíamos seguir enumerando os avanços e potenciais de Foz na área ambiental. São muitos. Porém, sobre os desafios: também são muitos. As grandes obras de infraestrutura (como a Perimetral), a gula da especulação imobiliária, o hábito de focar os investimentos no turismo de massa, a falta de compatibilização e integração dos níveis municipal, estadual e federal do planejamento e da gestão do território são alguns deles.

Todos esses desafios tendem a piorar as condições de resiliência climática da cidade, a qualidade de vida e a saúde. Aqui cabem monitoramentos, denúncias, debates, proposições, resistências, enfim, melhoria da organização social. Vale perguntar, como fez Medellín há 30 anos: em que tipo de cidade queremos viver? Se é uma cidade pulsante, cheia de vida e satisfação, precisa de saúde ambiental e resiliência climática. Uma dose de coragem, duas de disposição, discernimento como fermento e aí temos os ingredientes para mudar.

A melhor forma de lidar com a realidade é conhecê-la e aceitá-la, para poder transformá-la. Fica o convite: que tal Foz do Iguaçu se tornar cidade modelo em ecotecnologias, gestão participativa e resiliência climática?

Cada um de nós pode contribuir para isso. Seja como profissional, cidadão ou consumidor. Construir um estilo de vida planetariamente saudável, ser um eleitor consciente e monitorar as práticas políticas e implantação das medidas necessárias faz parte. E, uma dica, todo mundo pode aprender a ser plantador e cuidador de árvores. Você sabe, além de todo o bem que elas nos fazem, as árvores são seres que sentem, que se comunicam, que aprendem, que têm memória. Mas isso é papo para outro dia.

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Luciana Ribeiro é bióloga, educadora ambiental, professora da UNILA e coordenadora do OBEAMV.
E-mail: lucmribeiro@yahoo.com.br


Ana Silvia Fonseca é linguista, jornalista, professora da UNILA em colaboração técnica junto à UFABC.
E-mail:
ana.flisb@gmail.com
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1 comentário
  1. Fátima Langbeck Diz

    WOW! Felicito pela matéria. Parabéns a todos envolvidos, nesta data comemorativa lembrar que a terra das grandes águas tem de tudo para ser um território referente em resiliência climática é de suma importância.
    Obrigada!
    Aproveito para deixar registrado o meu apreço e admiração pelas autoras não apenas como profissionais, mas também pelo ser humano incrível que são e pela excelência em educação ambiental que demonstram.

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