A ponte que criou uma cidade e alavancou a fronteira

A Ponte da Amizade reconfigurou espaços e práticas sociais, babel em que normas de Estado coexistem com múltiplos movimentos fronteiriços.

Se pontes são para transpor limites da geografia, a Ponte da Amizade reconfigurou espaços e práticas sociais. Babel que estabelece a sua forma singular de funcionamento, em que tratados oficiais e normas de Estado coexistem com os movimentos de fronteira, o legal e o ilegal, o visível e o clandestino. Em uma palavra: o (in)formal.

Mesmo o idioma não obedece a regras. Houvesse um falar oficial da Ponte da Amizade e seu entorno, não seria o português nem o espanhol, mas ambos: o “portunhol”. Línguas pronunciadas pelo povo, todavia, escapam à boca e fogem das formalidades, assim como a via que sustenta em seus arcos seis décadas de dinâmicas muito próprias.

Quebra de paradigma, pois, parece ser um elemento fundador da Ponte da Amizade, como o são concreto e ferro, mostra a série especial do H2FOZ pelo aniversário de 60 anos. A obra, por exemplo, não teve uma nem duas, mas três inaugurações. O Paraguai quebrantou a sua política externa, que priorizava os portenhos, voltou-se para o Brasil e chegou ao mar.

Na reportagem especial, a historiadora Milena Mascarenhas propõe pensar a Ponte da Amizade acima da obra física. Ela está representada na bandeira de Foz do Iguaçu e na moeda paraguaia, dá nome a espaços públicos e ilustra selos comemorativos, isto é, preenche o imaginário das pessoas e ocupa os símbolos da oficialidade.

“A Ponte da Amizade é a transgressão das fronteiras, nos ajuda a conectar com diferentes culturas, idiomas e estilos de vida”, reflete. “Dá uma característica à nossa região muito diferenciada”, outorga a estudiosa à via binacional que liga Brasil e Paraguai, Foz do Iguaçu e Ciudad del Este.

A ponte forjou a criação de uma cidade, Flor de Liz, em 1957, depois Presidente Stroessner e, atualmente, Ciudad del Este. É considerada a primeira grande obra na margem brasileira do Rio Paraná, antes da chegada da Itaipu, mas precisou esperar quatro anos para a conclusão da BR-277, rodovia que amplificaria o comércio e os deslocamentos transnacionais.

O fluxo de veículos anual na Ponte da Amizade é de 16,4 milhões, mais de 21 vezes a frota total de veículos do Paraguai, conforme a Receita Federal do Brasil (RFB). São 37,7 milhões de pessoas em trânsito, mais de quatro vezes a população toda do país vizinho. Diariamente, são 103 mil pessoas e 45 mil veículos cruzando a via, revela um levantamento anual na via.

De 2010 a 2014, dados do órgão aduaneiro, a corrente de comércio internacional no Porto Seco, que recebe os caminhões de carga, totalizou US$ 42,3 bilhões em exportações para o Paraguai e US$ 17,7 bilhões em importações. Somente no ano passado, o movimento financeiro pela Ponte Internacional da Amizade foi de R$ 1,14 bilhão, cálculo da Receita.

O chamado desenvolvimentismo brasileiro, da década de 1950, contribuiu para tirar do papel a Ponte da Amizade, testemunha de períodos econômicos distintos, tensões e rupturas, acordos e cooperações. Os contemporâneos têm a responsabilidade de assegurar que integração não seja apenas uma palavra e que desenvolvimento seja sinônimo de crescimento com equilíbrio e inclusão.

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