Foz do Iguaçu em busca do passado

É direito revisitar o passado para compreendê-lo, distanciando-se do risco de repeti-lo sem olhar crítico ou de vestir o antiquado disfarçado de novo.

Eram 324 as “almas” contadas por José Maria de Brito quando a expedição integrada por ele alcançou a foz do Rio Iguaçu para fundar a Colônia Militar, no limite do século 19. O objetivo era implantar o mando pelo viés do Ministério da Guerra, ante a exploração predatória de recursos naturais e a livre ocupação do território por estrangeiros.

Argentinos, espanhóis, franceses, paraguaios e um inglês estavam entre as linhas da geografia que, logo além, tornou-se Foz do Iguaçu, hoje cidade de 109 anos. Esse relatório está no livro “Descoberta de Foz do Iguaçu e a fundação da Colônia Militar”, de José Maria de Brito, organizado e publicado pela Travessa dos Editores.

Conta o memorialismo que os primeiros vizinhos iguaçuenses foram o brasileiro Pedro Martins da Silva e o espanhol Manuel Gonzáles, em 1.881, seguidos pelos irmãos Goycochéa, que chegaram para explorar a rentável erva-mate. No final de 1.889, os militares fizeram saber, pela ordem do dia n.º 1, que a foz do Iguaçu tinha “autoridade constituída”.

A marcha humana na região, porém, deixou vestígios de sua presença que retrocedem cerca de 6 mil anos a.C., como expõe a publicação “Foz do Iguaçu: Retratos”, da editora Campana & Alencar. A referência temporal vale-se de pesquisas arqueológicas da Universidade Federal do Paraná no perímetro brasileiro do reservatório da Itaipu Binacional.

Esse breve recorte sugere a disposição cosmopolita da cidade, seu fluxo e imbricação geopolítica, a qual vincula Foz do Iguaçu a causas e efeitos de muitas decisões de governos centrais. Ainda, olhar pelo retrovisor da história repõe a indagação, que deve ser perene, quanto ao “apagamento” da presença e da contribuição indígena na região.

Tatear o passado dos iguaçuenses remete a um dos desafios do presente: a oficialidade de Foz do Iguaçu não zela adequadamente da memória da cidade. A ausência de equipamentos públicos para o resgate, preservação e valorização contrasta com a riqueza e a importância da história desta paragem.

Edificações de relevância histórica são demolidas, adulteradas ou caem em ruínas sem que seja feito o tombamento dos imóveis pela lei municipal, que salvaguarda esses bens desde 2.016, quando foi atualizada. Igualmente, não há preservação do patrimônio imaterial. A pasta cultural do município não possui programa de educação patrimonial.

A indisposição governamental fica mais evidente ao se considerar a falta de iniciativas que poderiam dar visibilidade e contexto a acontecimentos mais recentes, sobretudo, a partir dos anos setenta. Esse período marca o acentuado crescimento da cidade, gerador de contradições e mazelas econômicas e sociais que perduram nos dias atuais.

Foram mudanças profundas entre 1.970 e 1.980, de expansão permeada pelo enriquecimento rápido de alguns e formação de imensos bolsões de pobreza. As vozes contra o autoritarismo atingiram o regime dos interventores. O caminho para o voto a prefeito foi pontilhado pelo mandonismo político que prevaleceu nos anos pós-ditadura.

Diz-se, com alguma frequência, que Foz do Iguaçu sofre pela mentalidade que a enxerga como um eldorado apenas de usufruto das oportunidades. Seriam os “gafanhotos modernos”, como deixou anotado um escritor nativo. As sociedades têm o direito de revisitar o próprio passado para compreendê-lo, distanciando-se do risco de repeti-lo sem o necessário olhar crítico ou de vestir o antiquado disfarçado de novo.

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2 Comentários
  1. Daniel Diz

    Ótima matéria.

    POR TODA A HISTORIA DE FOZ DO IGUAÇU, TRIPLICE FRONTEIRA, COLONIA MILITAR, PONTE DA AMIZADE, …
    PENSO QUE DEVERIA DAR MUITO, MAS MUITO MAIS IMPORTÂNCIA PARA TODA ESSA HISTORIA, COM OBJETOS, FOTOS EM UM MUSEU APROPRIADO, QUE CONTE ESSE PASSADO DESSA IMPORTANTE REGIAO.

    O MUSEU QUE ME REFIRO PRECISA SER SUFICIENTEMENTE COMPATIVEL COM TODA A HISTORIA DA REGIAO A PONTO DE SER CONSIDERADO MAIS UM ATRATIVO, UM PINTOTURISTICO.

  2. Carlos Diz

    Foi doado ao município de Foz do Iguaçu, o casarão onde antigamente era o Colégio Bartolomeu Mitre, quando da doação era justamente para a construção de um Museu.
    Hoje o prédio se encontra em ruínas, é sua utilização está muito longe de ser um memorial.

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