Quanta iniquidade podem guardar os escombros de um prédio levado ao chão para o avanço da cidade que olha seu passado sem indulgência? A antiga Santa Casa, hospital criado pelo altruísmo, mantido pela solidariedade e fechado pela má gestão em estreita relação com o mandonismo político-econômico, é repleta de histórias de injustiça.
À época do fechamento, há 16 anos, nem uma greve de quase três meses, nem a ocupação das instalações garantiram o pagamento de salários e verbas rescisórias a centenas de profissionais da saúde, que esperam até hoje para receber seus direitos. De lá para cá, o que passou a valer foi o terreno milionário de 16 mil metros quadrados, fruto de doação no longínquo ano de 1938.
O mais recente capítulo, que pode não ser o último, é o impasse em torno da remoção de dois pequenos comércios instalados há décadas na quadra da Santa Casa. Deles, retiram a sobrevivência familiar os sexagenários Ivanir Franco Pereira e Rubens Pereira, que vendem lanches, marmitas, bebidas e doces.
Do outro lado dessa contenda está a Wust, Casarotto & Cia. Ltda., empresa de Cascavel proprietária do imóvel no qual projeta erguer um megaempreendimento. E a Prefeitura de Foz do Iguaçu, longe de fomentar a mediação entre o grande e o pequeno, põe pressão sobre os comerciantes populares.
Isso é o que revela o H2FOZ em reportagem especial que ouviu todas as partes. “É uma disputa desproporcional em meio a uma história de trabalho, dignidade e sobrevivência”, explicita o texto. Os comerciantes apresentaram alvarás, contas de água e luz do endereço e muitas notificações exigindo a retirada das lanchonetes.
Um dos comerciantes, depois de longos anos, teve a renovação de seu alvará negada pela prefeitura. A outra proprietária, mesmo com a liberação vigente, recebeu notificação do município para deixar o local. Os modestos estabelecimentos não estão no imóvel da Wust, Casarotto & Cia. Ltda. nem nas calçadas, ficando no canteiro que divide o muro e a calçada.
O que pedem os dois pequenos comerciantes? Uma indenização que consideram justa ou a transferência para espaços viáveis de onde possam seguir retirando o sustento. O advogado que encampou a causa vê favorecimento de terceiros pela prefeitura e denuncia a extinção do alvará social ano passado, decisão da administração e vereadores.
O velho pórtico da Santa Casa mantém-se em pé no centro do imenso e valorizado terreno, junto ao concreto e aos pinheiros derrubados. Está a testemunhar mais esse episódio em que o interesse do mais fraco parece pouco importar, porém sem ouvidos para registar o clamor de um dos comerciantes ameaçados de despejo que diz: “Quero ver se existe lei. Se realmente o pessoal olha o lado baixo e o lado alto.”
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