Tendência é de mais queda a curto prazo. Mas no horizonte há outras perspectivas.
O dólar fechou na sexta-feira, 26, a R$ 4,74, valor que vigora até segunda-feira. É o menor patamar desde março de 2020.
Nas lojas de Ciudad del Este, a cotação do dólar está em torno de R$ 5,03, neste sábado (26). Em março do ano passado, era de R$ 6,13.
No mercado brasileiro, a moeda dos Estados Unidos está no menor valor desde 11 de março de 2020, quando fechou a R$ 4,72. Naquele dia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha decretado a pandemia global de covid-19.
Apenas nesta semana, o dólar caiu 5,35%. A divisa acumula queda de 7,92% em março e de 14,86% em 2022. O real é a moeda que mais se valorizou, em todo o mundo, frente ao dólar.
HORA DE APROVEITAR
Não é à toa que os comerciantes do Paraguai viram crescer o movimento nas lojas de fronteira. O aumento é estimado em 30%, principalmente nos últimos dias. Está mais barato para o comprador brasileiro, mais fácil de vender para o comerciante paraguaio.
Mas é bom que tanto um como o outro aproveitem bem essa conjuntura atual, atípica e provocada por circunstâncias que nada têm a ver, diretamente, com uma melhora da economia brasileira, a ponto de tornar o Brasil mais atraente para os investidores – e para seus dólares.
A curto prazo, o dólar tende a cair mais, de acordo com economistas. Mas, já a médio prazo, a tendência é de que tudo volte ao “normal”, isto é, que a moeda brasileira volte a enfrentar quedas contínuas. A não ser que a conjuntura mundial continue a trazer situações inéditas.
“SURPRESA”
Para os economistas, inicialmente esta valorização do real foi uma surpresa, porque há dois fatores que influenciariam uma alta: a alta de juros nos Estados Unidos, que torna os países emergentes menos atrativos para o capital externo; e a guerra da Rússia.
Ao mesmo tempo, o Brasil tem hoje a quarta taxa de juros nominais mais alta do mundo, atrás apenas da Argentina, da Rússia e da Turquia.
Em juros reais (que considera a taxa de juros nominal, menos a inflação), o Brasil só perde pra guerreira Rússia (no mau sentido, este “guerreira”).
A guerra provocou uma saída de investimentos da Rússia e do Leste Europeu rumo a mercados emergentes relativamente estáveis, o que inclui o Brasil.
Aqui entra a explicação básica para a queda do dólar: como entrou com força no mercado brasileiro, vale a lei da oferta e da procura. Quanto mais tem, menos vale.
DÓLAR HOJE
A BBC Brasil ouviu vários analistas para entender a valorização do real frente ao dólar.
Campos Neto, da Tendências Consultoria, diz que há dois fatores principais: a alta das commodieties, que favorece o Brasil por ser um grande produtor e exportador mundial; e a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, já em 11,75% e com perspectiva de novas altas nos próximos meses.
Mas ele ressalva: “O real vinha muito desvalorizado, mas não havia nenhuma grande expectativa de correção no curto prazo, então a queda recente do dólar de fato surpreende”.
E explica: “O reposicionamento da taxa de juros para um patamar mais condizente com a nossa realidade permitiu um olhar dos investidores para cá, com isso temos visto um redirecionamento de fluxos [de investimentos] já desde o início do ano”, completa.
A esses fatores soma-se o preço muito barato das ações na bolsa brasileira, na comparação internacional, e com com diversos papéis ligados ao setor de commodities, como Vale, Petrobras e as empresas do setor agrícola.
“Por fim, há o fluxo de investidores que deixaram a Rússia e o leste europeu em meio à instabilidade naquela região, e que encontraram no Brasil uma alternativa de investimento em países emergentes”, destaca a BBC.
“Os dados de fluxo cambial do Banco Central mostram uma entrada de um pouco mais de US$ 10 bilhões para o Brasil no acumulado do ano”, observa Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos.
“Isso indica que o investidor estrangeiro volta a olhar o Brasil com atratividade: um país que estava barato, com moeda desvalorizada. Agora, com juros altos e commodities em alta, ele se torna uma referência para países emergentes, num momento em que outros emergentes são abalados, caso da Rússia e todos os países do leste europeu.”
CURTO E MAIOR PRAZO
Os dois economistas disseram à BBC que o dólar ainda pode cair mais sim, no horizonte próximo, porque os preços das commodities continuarão pressionados e a taxa básica de juros tende a aumentar mais.
Mas, num prazo mais longo, o movimento de valorização do real não é sustentável, por dois fatores principais: uma alta mais forte dos juros nos Estados Unidos, que levarão o capital internacional para lá; e as eleições de outubro no Brasil, sempre um fator de desestabilização da moeda nacional.
“As eleições devem trazer volatilidade ao câmbio, pois nenhum dos candidatos favoritos à Presidência é percebido pelo mercado como comprometido com uma agenda econômica ortodoxa e com reformas para reduzir o gasto público”, explica a BBC.
É por essas incertezas quanto ao futuro que a queda do dólar não traz efeito positivo para reduzir a inflação.
“Para ter um repasse dessa queda do dólar para a inflação, seria necessário ter visibilidade de que esse quadro vai durar por algum tempo, mas não é isso que vemos hoje”, diz Marcela Rocha.
Para os exportadores, dólar mais baixo significa menos ganho. Para a importação de bens industriais, pode ser favorável, diante da perspectiva de que a economia brasileira ainda deve ter algum crescimento este ano, mesmo que baixo, de acordo com Campos Neto.
CONCLUSÃO
O comércio da fronteira paraguaia vai ser beneficiado pela queda do dólar no Brasil, que pode continuar nos próximos meses. Não se sabe qual é o piso.
Mas não se sabe também qual é o teto, quando chegar o momento em que investidores vão analisar a situação política nem se a economia brasileira é sustentável a ponto de resistirem à atração de retornar com seus dólares aos Estados Unidos, sua estabilidade e seus juros altos.
O mercado americano é menos rentável que o do Brasil ou de outros emergentes, mas é muito mais seguro. Este é um fator nada desprezível.
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