Tragédia no litoral: o dilúvio atinge o lado mais fraco

A catástrofe que atingiu o litoral de São Paulo, com chuvas que lembraram um dilúvio é mais um alerta para as consequências dos eventos climáticos extremos

Por AIDA FRANCO LIMA | OPINIÃO

O carnaval no litoral de São Paulo deu lugar à buscas por pessoas desaparecidas, socorro a vítimas ilhadas e uma corrente de solidariedade aos desabrigados. Um cordão humano que se juntou, passando um bebê e uma criança de braço em braço, até chegar a um lugar seguro é um retrato triste e, ao mesmo tempo, esperançoso. A comunidade está viva, lutando para sair do pesadelo. Até esse feriado, são 44 vítimas fatais.

O serviço meteorológico já havia alertado para o aumento do índice de chuvas na região. Choveu muito, mas muito mesmo, e de uma vez só. E a história se repete. Onde não poderia ter moradias, foram os lugares mais prejudicados. Será que isso foi levado a sério pelas autoridades? Haveria necessidade de causar alarde e segurar o fluxo de turistas rumo à praia, em pleno carnaval? Afinal, como é que fica a engrenagem da economia?

Em menos de 24 horas da tragédia, reuniram-se no local o presidente Lula, o governador de São Paulo Tarcísio e o prefeito da cidade de São Sebastião, Felipe Augusto. Além das ações emergenciais, o pedido de Lula foi para que o local escolhido para a construção das novas moradias das famílias atingidas, fosse seguro. Seguro deveria ser todo e qualquer local de moradia. Antes que as tragédias anunciadas se concretizassem.

Os eventos climáticos extremos são portadores dessas tragédias. E eles batem em nossas portas com cada vez mais intensidades. O governo anterior, do Messias, deixou R$25.000,00 para lidar com ações em áreas de risco para esse 2023. Em 2022 o valor proposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) era de R$ 2,8 milhões. Esse orçamento deveria cobrir obras de prevenção, contenção nas encostas urbanas, drenagem, ordenação das águas das chuvas, entre outros. Menos de 3 milhões é um valor irrisório, tamanha é a demanda. E falar em 25 mil reais, é no mínimo uma afronta. É escrever em caixa alta: que morram todos!

Quando falamos em eventos climáticos extremos é isso. Chover de uma vez, entre a tarde e noite de sábado e o domingo, o dobro do que era previsto para chover em todo o mês. Foram 600 milímetros de água, quando a previsão para o mês inteiro eram 300 milímetros. A Defesa Civil informou que a quantidade de chuva chegou a 683 mm em Bertioga; 627 mm em São Sebastião; 395 mm em Guarujá; 337 mm em Ilhabela; 335 mm em Ubatuba e 234 mm em Caraguatatuba. Em todas elas foram decretados estado de calamidade pública!

E se no litoral a chuva chega em forma de dilúvio, no Paraná o frio parece acelerar o inverno. Se agora, em pleno fevereiro, estamos de bota e casaco, como será em meados de julho? Uma amiga brasileira que mora no Canadá mandou vídeos de lá no início da semana. Explicou que os gansos canadenses pareciam confusos com a neve derretendo em pleno fevereiro. Muita gente não acredita que uma mudança climática está relacionada a excesso de chuva e ausência delas, por exemplo. Um calor ou frio excessivo. Enquanto os gansos aparentam estar confusos, porque sentem que algo está anormal, parece que para muitos humanos a ficha ainda não caiu.

A ocupação do solo urbano, de forma desordenada. A exploração das áreas verdes. A busca ensandecida de o homem querer explorar a natureza, a qualquer preço… Uma hora a conta chega. Na verdade está aí, na nossa mesa. As crateras, os desmatamentos, o mercúrio e o rastro de destruição e morte deixadas nas terras dos yanomami por milhares de garimpeiros, são parte da dívida humana com a natureza. As cidades cada vez mais concretadas, os esgotos indo direto para os rios e praias, o lixo acumulando por tudo… E essa conta vai ser dividida por todos, mas uns vão pagar um preço maior. Como sempre!

Nós das cidades que ainda não sofrem muito com isso, também temos culpa. Quando pedimos o corte daquela árvore porque suja muito, quando não separamos o lixo porque dá trabalho, quando usamos os bueiros como lixeira e pavimentamos todo nosso quintal e área do passeio, para ficar mais fácil de limpar. Isso sem falar no consumo excessivo, no descarte excessivo de produtos. É um ciclo gigante de danos que cometemos contra o Planeta e nós mesmos!

Não há mais como assistir apenas às tragédias, passivamente. Porque somos parte delas. E se não somos nós diretamente, são familiares, amigos e a engrenagem da economia que é afetada. Ah, e por falar em dinheiro, vamos ver ser após o feriado os índices da Bolsa ou a moeda americana vão subir ou despencar. Vamos saber se o ‘mercado’ vai amanhecer nervoso ou alheio à realidade das periferias. Façam suas apostas!

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