Quando o inverno chegar… E os andarilhos? E os (seus) cães?
Precisamos pensar em alternativas que vão além de recolher pessoas em condições de rua, nas noites de inverno, para devolvê-las às ruas no dia seguinte.
Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Inverno é igual coentro. Há quem ame, na mesma proporção que odeia. Mas quem está nas ruas, não tem como escolher. Nem o coentro, nem a temperatura. Engole o sapo do tamanho que for. A real é que o inverno só tem ‘glamour’ se você não passa frio. Muitos de nós brasileiros costumamos questionar as baixíssimas temperaturas em outros países, como quando faz -40 no Canadá. Há uma singela diferença: lá, os ambientes são calafetados, preparados para reter o calor interno. No Brasil, nossos ambientes são afetados pela ausência de preparo para o frio. Afinal, somos um país tropical! Se sofre quem está em casa, imagina quem está ao relento?
É muito comum que os abrigos provisórios sejam implementados nesse período, para recolher as populações aninhadas nas calçadas geladas. Já tem se tornado uma espécie de cultura, que para levar andarilho para abrigo é preciso dar direito ao mesmo de levar seus animais. Não raro, se for pra optar entre um abrigo ou deixar o animal para trás, o resultado é uma cama vazia e bicho e homem nas ruas, carangando de frio.
Não podemos pensar nesse problema só quando a frente fria é anunciada pela meteorologia. Devemos pensar também fora do inverno, fora da caixa! Tem andarilho de todas as vibes. Andarilho ou mendigo. Teve até um que ficou famoso recentemente por assunto literalmente de foro íntimo, quase já virando ator. E tem mendigo ator, que ganhou fama por não pagar pensão depois de ter voltado ao ostracismo. Cada coisa!
Mas vamos voltar o olhar a essa massa invisível… Temos que pensar que se essas pessoas estão na rua, é por conta de uma série de fatores: vício, briga familiar, desemprego, doença mental, doença do coração, dor de amor mesmo, ou melhor, falta dele! Conheci a história de um andarilho, já falecido, que foi morar nas ruas depois que a esposa foi morar com outro amor. Mas não é porque estão nas ruas que aceitam ir para qualquer outro lugar. Ainda mais com regras, com horários, com organização. Não deve ser fácil adequar-se ao mundo dos ‘normais’ quando seu mundo virou as ruas.
Temos que pensar que essas pessoas nem sempre irão aceitar as normas, horário pra entrar pra sair, pra comer pra acordar. Mas e aí, vamos deixar elas no frio, porque não se encaixam na caixa? Cada cidade tem sua própria cracolândia, pequena ou grande. As assistentes sociais conhecem na palma da mão a história, triste, de cada um deles. Tenho pensado se há projetos no Brasil para reinserir essas pessoas a uma vida dignamente mínima que vá além de uma passagem de volta para a terra natal. Se essas pessoas, muitas vezes, deixaram suas raízes, por falta de perspectiva, por quais cargas d’água alguém imagina que essas não secaram?
Vejo essas pessoas nas praças, perambulando pelas ruas, e imagino se fosse desenvolvida algum projeto, frente de trabalho, para que elas ajudassem a cuidar das praças, dos passeios, trabalhassem com coleta seletiva de forma organizada. Se fossem feitas ações para lhes dar oportunidade de buscar ajuda para se livrarem dos vícios, de arrumarem seus documentos, que pudessem ver uma luz no fim do túnel que não fosse o trem descarrilado. Se tivessem um local para dormir, ter um banho e refeição. Talvez isso já ocorra ou mesmo digam que trabalhar com essa população não é fácil. Mas ninguém disse que seria. Uns dão as costas, outros admiram o trabalho de Padre Júlio, que leva comida junto com outros voluntários a legiões de famintos pelas ruas de São Paulo. Outro dia vi a imagem de um policial tentando impedir que a comida fosse entregue, pois o padre estaria alimentando o vício. Como se o motivo do problema fosse doar comida e não a sua ausência.
Mas e os cachorros, o que tem a ver com isso? Tem que onde há um andarilho, há um cachorro. Se estamos falando de sustentabilidade, temos que falar do criador e da criatura, normalmente um caramelo, muitas vezes o único a não abandonar quem não tem não tem lenço, documento ou coentro.
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