A jardinagem e o veneno nosso de cada dia
Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Quando morei no interior de Minas Gerais, costumava acordar com um barulho de metal batendo nos paralelepípedos das ruas do Bairro Brasília, na cidade de Arcos. Era o pessoal da prefeitura, trabalhadores mais idosos, com enxadas em punho, limpando os matos, gramíneas, que nasciam entre o meio fio… Depois da pandemia não voltei mais lá e não sei se essa atividade já ‘regrediu’ para as técnicas aplicadas que presenciei tanto no Paraná, como no Mato Grosso: no lugar da enxada o trator e a máquina de veneno costal. Duas pragas! Também os paralelepípedos, que absorvem facilmente a água da chuva, que permitem manutenção com menos custo, estão sendo cobertos pelo piche.
As prefeituras, em sua maioria, trocaram os serviços de limpeza urbana, que antes eram realizados por funcionários públicos municipais, por empresas terceirizadas. Há exceções, deve haver. Mas o que na maioria das vezes presenciamos é a limpeza de determinados pontos da cidade, enquanto outros são esquecidos. Tratores que roçam os canteiros centrais o fazem de modo automático, talvez para cumprir o que determinam a quilometragem ou metros quadrados estipulados nos contratos, sem dar chance para que qualquer outra muda de árvore desenvolva. Também passam por cima de tampas de bueiros, quebram os meio fios e seguem o baile como se isso não fosse implicar no risco para os transeuntes. Mas quem se importa?
De outro modo, o serviço de jardinagem particular, que cresceu de certo modo na informalidade, como alternativa de renda a inúmeras famílias, que muitas vezes não tem equipamentos que aumentam a produção individual, encontrou na bomba de veneno um caminho sem volta. Prestem atenção! Reparem na quantidade de jardineiros que carregam as clássicas bombas azuis e laranja. Reparem nos terrenos baldios que da noite para o dia amanhecem com o mato deitado, amarelo, sem vida… Percebam que esses trabalhadores não usam qualquer EPI – Equipamento de Proteção Individual, e que esse veneno também nos chega pela água da chuva, pelo ar. Quem se importa?
Há empresas terceirizadas que seguem o contrato à risca, na parte que lhe convém. Se está escrito que ela tem por obrigação limpar o meio fio, e se há uma galhada de árvore caída na calçada, que lute o pedestre. A empresa não retira o que está na calçada e ponto final.
Também as terceirizadas adotam o trator para executar seus serviços, dificilmente vão se preocupar se estamos na temporada mais seca e aquele gramado não deve ser podado. Ela vai cumprir o que está no contrato e vai passar o trator, mesmo que a grama morra. Afinal, contrato é contrato.
Claro que nem todo serviço municipalizado é garantia de trabalho bem feito, assim como nem toda terceirizada é omissa em certas ações. Mas o fato é que jardinagem, limpeza da cidade, é algo que deveria receber maior atenção dos municípios. Estamos falando de um trabalho essencial que diz respeito também à Educação Ambiental, que deve envolver a comunidade.
Os municípios, que se deparam com o problema do desemprego e de uma legião de famílias em busca de alimento, deveriam pensar na possibilidade de reorganizar a limpeza da cidade, criando frentes de trabalho, abrangendo associações de bairros, MEIs -Microempreendedores Individuais, entre outros, nessa importante tarefa. Estamos lutando também contra dengue, que exige não apenas cortar o mato, mas evitar que os resíduos sejam jogados no local impróprio e isso exige participação coletiva. É também um modo de diminuir a quantidade de veneno descarregada também na zona urbana.
Quando há o envolvimento da população, cria-se o senso de pertencimento, de saber que aquele espaço público deve ser cuidado da melhor maneira possível. Melhor ter um morador que transforma o canteiro em frente em um pequeno jardim, que aquele que o utiliza para desovar aquilo que não quer no seu quintal ou apartamento. Melhor o barulhinho do metal no meio fio, que o borrifado que sai das bombas costais…
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