Corrupto na gaiola: um bicho raro, que Jô Soares nos apresentou
Hoje o Brasil acordou ainda mais sem graça, com a notícia da morte de Jô Soares. A geração mais nova o conheceu como o entrevistador que pautava o Brasil, mas nós mais velhos nos criamos com seus personagens fantásticos, em seu programa semanal Viva o Gordo. Jô foi humorista, apresentador, escritor e um crítico à politicagem.
De todos os quadros o mais atemporal, na minha opinião, é o de ‘Caçador de Corrupto’. Como ativista ambiental, jamais conceberei a caça como um esporte, pra mim isso é crime. Assim como manter animais aprisionados. Mas como toda regra tem exceção, essa vai para Jô Soares. Ele sempre aparecia com uma gaiola coberta por um pano preto e muito raramente mostrava que estava dentro, por mais que os personagens que contracenavam com ele pedissem. No máximo viam apenas por uma fresta, mas não enxergavam nada! Ele explicava que era assim, o corrupto, ninguém via.
Era 1998 Jô apresentava um personagem, inspirado no ex-presidente, Fernando Collor de Melo, que era o tal ‘Caçador de Corruptos’. Em um dos episódio, reapresentado no Vale a Pena Ver de Novo de 14 de julho de 2009, Jô levava um corrupto, na gaiola, para ser fotografado. A assistente pergunta se é uma fotografia dele próprio e ele responde que não. Mostra uma gaiola envolta com um pano preto e explica que a foto seria do corrupto que estava ali dentro. E a moça exclama:
“- Mas que bicho mais esquisito!”
E ele diz que é esquisito mesmo! E quando ela pergunta se é perigoso, escuta:
“Assim na gaiola, não. Solto que é um perigo!”. E ao ser indagado sobre o que ele ataca, Jô vai na jugular:
Notem! Em 1988 Jô usava o humor para alertar sobre a seriedade do danos ambientais que a corrupção causa!
E a moça segue, dizendo que acha que ele está doente, pois está com o bico aberto. Jô debocha e explica que o corrupto está sempre de bico aberto pra ver se consegue dar uma bicada em alguma coisa. Assim, a moça pergunta se pode oferecer um pedaço de cana para o bichinho corrupto.
Então, a gaiola começa a girar, o corrupto começa a piar e Jô ensina. Não pode falar em cana que o corrupto fica doido! Para acalmá-lo ele dá uma nota de cem e diz que em casa vai comer as verdinhas.
Chega o fotógrafo e Jô pergunta se ele conhece o bicho, ao que responde: “Ahhhh, muitos.” Mas Jô pergunta se conhece corrupto na gaiola. “Ah não, na gaiola nunca fotografei não, só soltos.” O fotógrafo mostra um álbum com vários tipos de corruptos e Jô vai dizendo que conhece todos, inclusive com filhos. Jô pede mil fotos de cada corrupto e diz que vai exportar tudo de graça. O fotógrafo fala que vai ficar muito caro esse trabalho. Mas Jô argumenta que se conseguir exportar todos os corruptos que tinha no Brasil, daria um lucro para pagar a dívida externa.
Eles são interrompidos por um homem engravatado, que pede uma foto para passaporte. Porém, enquanto o fotógrafo arruma o equipamento, o mesmo se veste com peruca e bigode, falsos obviamente, e o fotógrafo diz que daquele jeito não servia para passaporte, que não entraria em país algum.
Quando Jô pergunta o país de destino, o homem responde que é a Suíça. E ao escutar a palavra mágica, o corrupto da gaiola fica extremamente agitado novamente, enquanto o homem toma o acento que usava e pergunta o que era. Após escutar de Jô que se trata de um banco, o engravatado sai correndo, levando móvel junto. O fotógrafo lamenta por ter perdido seu banco e Jô explica que não adianta, que é assim mesmo. Corrupto não pode ver um banco, que ele leva…
Mais uma vez o corrupto da gaiola fica muito alvoroçado e foge e ele conclui: “Pronto, voou atrás do outro.”
Estamos vendo o quanto de destruição os corruptos causam ao meio ambiente. Grilagem de terras, desmatamento, caça, garimpo e pesca ilegais. Pistas clandestinas, obras ilegais, a lista de destruição é grande. Nosso País, celeiro do mundo, com criança de 11 anos ligando para a PM para pedir comida!
Se crianças passam fome, imaginem como estão nossos animais, aprisionados nos fundos dos quintais, nas mãos de traficantes, de exploradores e por aí afora?
Jô foi embora hoje. Mas diferente do corrupto, que deixa uma terra arrasada, nos brindou com memórias afetivas incríveis embrulhadas de críticas sociais e muitas gargalhadas.
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