Árvores: aliadas, tratadas como vilãs

Por mais benefícios que as árvores urbanas nos proporcionem, na hora de sentenciar seu corte isso é deixado de lado.

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Toda vez que escuto alguém pedindo para cortar uma árvore, eu me lembro daquela velha história do poema do Olavo Bilac. Você conhece? Se sim, vamos rememorar, se não, vou te apresentar. A história é que um amigo seu tinha um sítio e sem ver retorno financeiro no lugar, que exigia muito investimento, resolveu por o local a venda. E pediu uma ajudinha a Bilac, para fazer um classificado.

O anúncio de venda, assemelhou-se a um poema. “Vende-se encantadora propriedade onde cantam os pássaros, ao amanhecer, no extenso arvoredo. É cortada por cristalinas e refrescantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda.”

E então, passado um tempo ao reencontrar o amigo, Bilac soube que ele tinha desistido de vender a propriedade. Ele havia se encantado com as belezas do sítio, mas somente após ter lido o anúncio.

Digo que me lembro dessa história, porque acredito que antes de um órgão aceitar o pedido de corte de uma árvore de um cidadão, deveria haver um trabalho para saber se a pessoa realmente tem noção do seu pedido. Normalmente ela fixa naquilo, que no seu ponto de vista, é um malefício. Excesso de folhas, frutos, flores, animais, sombra, calçada quebrada, galhada que vai em direção ao telhado, calhas entupidas. Esses são os principais argumentos. Algo que talvez com uma poda, já minimizaria a situação, e manteria a árvore em pé.

Talvez, quem protocola, quem autoriza, deveria inspirar-se em Olavo Bilac. Estimular que a pessoa que percebe somente os malefícios que uma árvore frondosa oferece, conseguisse enxergar também o frescor, o descanso visual, a sombra, o abrigo para aves, as folhas que escondem o concreto, as flores que colorem a paisagem, os frutos que alimentam bicho e gente. As árvores ajudam, inclusive, a reduzir o ruído! Sim, elas servem como barreiras e atenuam os sons.

Quando cai uma galhada de uma árvore, quando vem as ventanias e as derrubam sobre os fios da rede elétrica, quando elas caem sobre muros ou residências, há uma espécie de sentença de morte para as demais. A chance de que muitas outras do mesmo calibre sejam cortadas é grande, para evitar acidentes. Logicamente há que se fazer um trabalho preventivo, no intuito de principalmente, evitar vítimas fatais. Porém, quando você já viu alguém calculando quanto de benefícios uma árvore trouxe, antes de divulgar os valores dos danos materiais que ela, supostamente, tenha causado?

Somos a somar as avarias que as galhadas causam nas latarias dos carros. Mas e as planilhas que mostrem o quanto de benefício que as mesmas proporcionam aos motoristas? Já repararam que nos dias ensolarados todo mundo quer uma vaga na sombra? Dá até briga de vizinho. É muito comum que um deles corte a árvore para não ter problemas, mas se aproveita da sombra alheia.

E por falar em sombra, carro, vaga. Já notaram quantas árvores são engolidas com essa história de estacionamento recuado? Sai a árvore e a vaga que é pública, para qualquer um estacionar, e entram as vagas privadas, permitidas somente para os clientes. Mas isso é assunto para outro texto.

Estamos mesmo precisando de Olavo Bilac para abrir os olhos não apenas do cidadão comum, mas principalmente de quem chefia esses setores. Necessitamos de gestores públicos com visão menos tacanha, que saiam dos gabinetes com ar condicionado e aproximem-se das ruas. Se de um lado tem uma população um pouco menos informada, que briga para cortar a ‘sua’ árvore, há uma fatia da sociedade em estado de alerta. Uma sociedade que percebe as cidades mais quentes, secas, barulhentas e inóspitas e a falta de interesse, de quem deveria zelar por elas. Precisamos do verde, não do marketing, mas das árvores do mundo real.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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