O etarismo que “mata” o currículo dos professores
Produções acadêmicas datadas há mais de cinco anos, muitas vezes não contam ponto algum, na disputa por vagas para lecionar nas universidades. Só vale o que saiu do forno.
Por AIDA FRANCO LIMA | OPINIÃO
Na última semana, o caso das três estudantes de biomedicina que debocharam da “colega” de sala, Patrícia Linares pelo fato de ela ter 44 anos, pautou o noticiário. O vídeo foi gravado em uma faculdade particular, a Unisagrado, em Bauru – SP.
O que era para ser uma diversão entre amigas, pelas costas de uma pessoa que não está divertindo-se junto, ganhou proporções maiores que o imaginado. O que era piada virou pesadelo, pois as jovens, inclusive, desistiram dos cursos. Quem sabe voltem a cursar depois dos 44? E estão sofrendo as consequências dos tempos de cancelamento e linchamento virtual.
E mais ainda! As jovens, da geração Z, cometeram uma gafe que parece coisa de velho, de gente lá da geração X ou Millennials. Deram a deixa para que fiquem com suas imagens relacionadas ao episódio por muito tempo, talvez mais que possamos imaginar. Esqueceram que o print é eterno, que se cai na rede o estrago está feito. Isso sim, é muito cringe!
Passada a tempestade na vida da acadêmica que foi alvo das piadas, veio a maré de solidariedade e muitos exemplos de pessoas que não se deixaram intimidar por causa da idade e foram em busca do canudo.
Porém, é importante falarmos do etarismo, que vem da própria academia. O meu orientador do mestrado e doutorado, Norval Baitello, sempre dizia, com muito otimismo em suas aulas, que na academia o tempo soa diferente; que um professor com 50, 60 anos é considerado jovem ainda. E isso é muito significativo, ainda mais quando lembramos que no mundo do futebol, por exemplo, essa idade é considerada avançada, mas para a academia é realmente diferente.
Há algumas décadas, quando o incentivo à educação era ainda mais deficitário, terminar uma graduação era um sonho realizado por poucos. Hoje, muitos graduandos engatam um mestrado e doutorado e conseguem concluir bastante jovens. Muito diferente da geração X ou Millennials, que precisava de décadas para defender uma tese.
Desse modo, há uma geração inteira que conquistou seus canudos e está com seus currículos dos últimos cinco anos cheios de publicações e bastante atualizados. Até porque há uma exigência grande em torno da produtividade acadêmica, quase que em escala industrial em busca do Qualis A1, A2… E na outra ponta está a geração mais velha. Logicamente, o currículo de alguém da geração X vai ser muito mais antigo que o de alguém da Z.
E o que se nota é que para a academia, que deveria valorizar o conhecimento adquirido ao longo da vida profissional, esse tem prazo de validade. Ocorre que é muito comum que as publicações, as experiências profissionais e tudo o que é fruto de um trabalho de uma vida só têm importância se tiverem ocorrido nos últimos cinco anos.
Na hora de concorrer a uma vaga para lecionar, não interessa se o candidato publicou um artigo que revolucionou sua área. O que importa é a data. Assim, quanto mais o tempo passa, mais inservível é o currículo do professor. Claro que as mudanças sociais ocorrem constantemente e é preciso estar atento e fazer seu registro. Mas será que também não é uma forma de etarismo deixar de lado o conhecimento acumulado ao longo dos anos e pontuar somente aquilo que acabou de sair do forno? Claro que temos de atualizar o conhecimento, no entanto onde é que ficam as bases da nossa formação?
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