Jornalistas: alvos fáceis à tropa ensandecida

Os atos violentos de bolsonaristas inconformados com a derrota nas urnas, é dirigido também a jornalistas. Desrespeitando inclusive convenções de guerra.

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

A cidade estava cheia de flores, era a temporada dos ipês. Eu queria muito fotografar, e um deles estava maravilhosamente majestoso. Porém, bem na esquina de um Tiro de Guerra ou quartel do Exército. Mas havia um detalhe, ou melhor, muitos deles. Diversas placas diziam que era proibido estacionar!

Lembro-me muito bem, estava eu e minha filha com seu amigo no carro, ambos adolescentes. Eu até reduzi a marcha para parar só um pouquinho e fotografar rapidinho, e veio o alerta: “Não pode parar, não está vendo a placa?” Entre a foto e o exemplo, descartei o item 1.

Isso foi bem antes do segundo turno das eleições em 30 de outubro. Porque logo depois, provavelmente teria feito a foto sem nem pesar a consciência ou ser enquadrada por não obedecer às placas. Com os acampamentos em frente aos quartéis, teria guarida.

Após a finalização da contagem de votos para a acirrada eleição presidencial, em todos os cantos do Brasil pipocaram os acampamentos. As bandeiras eram diversas, e a mídia deu ampla cobertura. Defesa de intervenção militar, contra o comunismo, em prol das famílias, moral e bons costumes.

E teve quem fosse zoar nos acampamentos, defendendo intervenção psiquiátrica, comendo e bebendo às custas dos manifestantes e postando vídeos nas redes sociais. Em alguns casos similares, esses indivíduos foram obrigados a desculpar-se! Cutucaram a onça com a vara curta, e isso acabou virando caso de polícia, literalmente. 

Porém, com o passar das semanas, outras notícias ganharam a pauta, e os fatos sobre os acampamentos ficaram mais de escanteio. Com a viagem do ex-presidente Bolsonaro aos EUA, horas antes do término do mandato e dos benefícios reservados ao cargo, muitos desarmaram as barracas, sentiram-se abandonados e bateram em retirada.

Mas, mais uma vez, surgiram fatos novos, notícias novas. Inclusive de desbloqueio de trânsito e acampamentos sendo desfeitos por forças policiais, em Belo Horizonte, ao final da primeira semana do ano. Choro, gritaria, revolta. E sobrou, novamente, para os jornalistas. Sobrou para quem entrega a notícia!

E no último domingo, 8, uma grande massa marchou em direção ao Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF. Informações dão conta de que ao menos quatorze jornalistas, inclusive correspondentes internacionais, que ousaram cobrir de perto aquilo que refletiria em um espetáculo de vandalismo e tentativa frustrada de golpe de estado, apanharam e tiveram seus equipamentos quebrados ou roubados.

Jornalista entrega a notícia. Para quem não sabe, é apenas um funcionário. Não é o dono da empresa que vai a campo colher os fatos, do mesmo modo que não é dono da montadora que faz os carros. Jornalista segue a linha editorial e, se fizer o contrário, vai pra rua!

Se estamos falando de patriotismo, não vale depredar bem público! Entretanto vale a frase da adolescente, lá no começo do texto: “Não pode parar, não está vendo a placa?” Quem trabalha na mídia também não pode parar, tem de ir aonde a notícia está. E precisa voltar pra casa inteiro e não em frangalhos, como ficaram os prédios públicos ao final desse domingo.

A vida do jornalista, que nunca foi fácil, sofrendo uma pressão contínua de estar informado sobre tudo e antes de todos, ficou ainda mais complicada com a possibilidade contínua de linchamento virtual. O espaço da crítica, que antes era reservado ao telefone e cartas, hoje é ampliado pelas redes sociais.

Mesmo em zonas de guerra, a imprensa tem o requisito da neutralidade, conforme as Convenções de Genebra, de 1977. Mas assim como acreditam muito em notícias falsas, quem agride jornalista rasga as leis que não lhe interessam.

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