Pedagogia do ódio: o que ensina o jogo da discórdia
Neste ano tem uma “brincadeira”, e aqui as aspas são propositais, que tem me chamado muito a atenção, o chamado jogo da discórdia.
Fabiano Severino – OPINIÃO
Durante os anos de trabalho em escola testemunhamos várias invenções e reinvenções de brincadeiras, trotes, pegadinhas, estripulias (essa palavra já entrega o tempo de trabalho) na escola. Inclusive no nosso tempo também inventávamos nossas brincadeiras, que ao passar dos anos ao olharmos em retrospectiva percebemos que nem sempre foram boas.
Neste ano tem uma “brincadeira”, e aqui as aspas são propositais, que tem me chamado muito a atenção, o chamado jogo da discórdia. Sei que é inspirada no reallity show Big Brother Brasil, que também não é novidade já ha algum tempo, mas para prender a audiência precisa se reinventar, naquilo que o formato permite.
Resumidamente o jogo consiste em uma pessoa dizendo para outra quais são seus defeitos, falhas, fragilidades, tomando como base aquilo que o/a discordante entende como necessário dizer. Não precisa de muito para imaginar o que tal jogo pode provocar em adolescentes, que estão justamente em períodos de transição física e emocional, tentando se descobrir como indivíduos e parte de um ou mais coletivos, com todas as questões relacionadas ao choque geracional que vivenciam, enfim, todos que já foram adolescentes sabem sobre o que estou falando aqui.
Ver adolescentes, em nome de um jogo, agredindo, menosprezando, achincalhando, desqualificando, ofendendo colegas de turma ou de colégio tem me levado a pensar em como se ensina a odiar alguém. Sim, o ódio é um sentimento e odiar é uma prática individual e coletiva.
Parece existir um certo encanto pelo odiar, esses discursos tendem a ser mais enfáticos, dando uma falsa impressão de segurança, de que está falando, altivez, força, o que parece servir para disfarçar publicamente os conflitos dessa fase de desenvolvimento.
Não estou aqui dizendo que o BBB criou essa prática do odiar, os últimos anos têm sido fartos com discursos assim. Os engajamentos nas redes sociais tendem a ser maiores quando o tema é contra, raiva, ódio e similares. Temos normalizado inclusive a expressão fazer algo “na força do ódio”.
A questão aqui não é sobre este “jogo da discórdia” em si, mas sobre como estamos nos educando e educando as próximas gerações para tratar o odiar como algo bom, em detrimento a outros sentimentos e práticas como empatia, acolhimento, respeito, aceitação. Quando praticar o ódio através de um jogo apresentado por um programa de grande audiência, tanta ao ponto de suscitar experiências de reprodução em espaços como colégios, não falamos mais sobre uma educação que se dá de forma “despretensiosa”, talvez estejamos diante de uma prática que possui método, regras, conteúdo. Quem sabe estejamos presenciando uma Pedagogia do Ódio.
*Fabiano Severino é pedagogo, trabalha na rede pública desde 2001. Especialista em Direitos Humanos na América Latina, pela UNILA. E um curioso e incomodado por vários assuntos.
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