Por que a margem paraguaia de Itaipu deveria, mas não contém gastos? Parte I
Embora a diretoria paraguaia diga que sim, parece que não. É que a conta maior vai pro consumidor brasileiro
Cláudio Dalla Benetta
Ao contrário do que muita gente pensa, não existe uma “Itaipu paraguaia” e uma “Itaipu brasileira”. A empresa é uma só, indivisível, com duas diretorias (paraguaia e brasileira) que respondem a um Conselho formado por integrantes dos dois países.
Mas há, talvez, uma maior preocupação do lado brasileiro de reduzir os custos em geral, porque é o consumidor de energia do Brasil que arca com 90% de todos os gastos da usina, já que consumimos este percentual da energia produzida por Itaipu.
Estes custos incluem o pagamento de royalties tanto pro Brasil como pro Paraguai.
Isso explica o empenho do atual diretor-geral brasileiro, Joaquim Silva e Luna, que já cancelou convênios e patrocínios sem base na missão da empresa e, inclusive, decidiu praticamente extinguir o escritório de Itaipu em Curitiba, pra reduzir gastos com passagens, aluguel do prédio, diárias, etc, etc.
Agora, a margem paraguaia adota o mesmo discurso de racionalização de gastos, mas ainda é preciso ter boa-fé pra acreditar nisso.
Mesmo porque não há nem a hipótese de reduzir o escritório em Assunção, com a vinda dos empregados pra Hernandarias. Já imaginou como seria bom pra fronteira ter todos por aqui, com os recursos a mais que passariam a circular na região?
Ao invés da mudança, a Itaipu margem direita, em matéria recente produzida pela assessoria de imprensa, diz que está implementando novas políticas que regulem os deslocamentos de pessoal, assim como o uso de ferramentas tecnológicas que permitam realização de reuniões de trabalho que não requeiram a presença física.
No lado de cá, já se estimou que a economia acumulada com a migração do pessoal de Curitiba pra cá, até 2023, será de R$ 7 milhões. Mesmo tendo que pagar o adicional de fronteira, de 13%, sobre o salário dos cerca de 150 “itaipuenses” da capital.
Voltando ao lado paraguaio, a informação é que, “desde o início das gestões da administração atual de Itaipu, margem direita, está sendo levada adiante uma política de otimização de recursos que, em algumas áreas, inclusive, foi implementada durante a administração anterior e mantida pelas autoridades atuais”.
“Binacional e indivisível”
Segue o texto: “Esses ajustes respondem ao feto de que Itaipu, como é uma empresa binacional e indivisível, deve financiar obras de grande envergadura sem ter que aumentar seu orçamento ou recorrer a empréstimos”.
O “indivisível” usado pelos paraguaios se assemelha ao “una e única” que o diretor-geral brasileiro utilizou recentemente. Isso se chama afinação de discurso.
As “obras de grande envergadura”, nos dois lados, têm que se pagas com o que é obtido com a venda de energia. Mas sem aumentar a tarifa, dizem também as duas margens.
Do lado brasileiro, tem a Ponte da Integração Brasil-Paraguai, o Mercado Municipal de Foz, programas e ações desenvolvidos nos municípios do Oeste do Paraná, pra ajudar no desenvolvimento regional e como forma de Itaipu compensar pelo uso da água do reservatório, que inundou 1.350 quilômetros quadrados de áreas que hoje poderiam ter outro aproveitamento econômico.
Itaipu já paga royalties, e são um valor importante. Mas convenhamos que a região merece mais, mesmo porque não consome diretamente a energia que a usina produz, direcionada principalmente aos grandes mercados consumidores do Sudeste.
“Ministério de obras”
O mesmo vale para o Paraguai, só que, no país vizinho, Itaipu é praticamente um ministério de obras.
Confira onde a binacional está investindo e pretende investir, no lado de lá:
* Solução viária para o km 7 de ciudad del Este – US$ 11 milhões
* Obras complementares da ponte, em Presidente Franco – US$ 35 milhões
* Programa de bolsas universitárias – US$ 8 milhões
* Fortalecimento e modernização da rede de distribuição elétrica no Paraguai – US$ 38 milhões
* Modernização da agricultura familiar – US$ 4,8 milhões
* Implantação da Costanera e Praia de Salto del Guairá – US$ 4,5 milhões
* Ponte Bioceânica, entre Carmelo Peralta-Porto Murtinho – US$ 75 milhões
* Instalação do maior centro ambiental da região (prazo de 4 anos) – US$ 30 milhões
Total: US$ 210 milhões
Agora, compare: o Ministério de Obras Públicas do Paraguai tem orçamento, para este ano, de US$ 840 milhões. Isto é, só o que a margem paraguaia de Itaipu listou (e há outros investimentos, nos mais variados setores) representa 25% do orçamento aquele ministério. Muito significativo!
O diretor-geral paraguaio, José Alberto Alderete, diz que, “com o mesmo orçamento, (Itaipu) tem que cobrir o financiamento das obras citadas, sem ter que modificar a tarifa, para evitar que o impacto recaia no preço da energia, o que exige implementar uma política binacional de reordenamento de gastos”.
Como na margem brasileira. Aliás, os patrocínios, no lado brasileiro reduzidos à metade, também serão revistos pelos paraguaios, com “critérios mais precisos” para a concessão, segundo a matéria.
“Enxugamento”
Agora, um pouco de história.
Em 1994, quando o diretor-geral brasileiro era Fernando Gomide, a Itaipu definiu um programa de adequação da força de trabalho na usina, inclusive com incentivos e vantagens para o pessoal que quisesse se desligar voluntariamente.
A redução de empregados baseou-se em estudos de uma consultoria internacional, que levou em consideração todas as áreas nas duas margens. Diz-se, por sinal, que esta consultoria apresentou um resultado desconcertante: Itaipu poderia funcionar apenas com 200 empregados.
Mas isso não foi levado em conta, e sim a proposta mais realista. Ficou definido que os 6.128 empregados das duas margens, em 1994 (olha só a multidão!), seriam reduzidos a 4.467, no ano seguinte, e assim progressivamente até chegar a 1.500 de cada lado, em 1998.
Em 1994, havia 2.780 empregados no Brasil e 3.348 no Paraguai. Com a redução progressiva, no ano seguinte seriam 2.100 no Brasil e 2.368 no Paraguai; em 1996, 1.860 e 2.012, respectivamente; e 1997, 1.620 e 1.660, no Brasil e no Paraguai. Até chegar a 1.500 em cada margem.
Sempre mais
O lado brasileiro fez sua parte. O Paraguai diminuiu o pessoal, mas ainda hoje tem mais empregados que no lado brasileiro.
No Brasil, em números de maio deste ano, há 1.382 empregados; no Paraguai, 1.662 empregados, 280 a mais. Nunca a margem paraguaia chegou aos 1.500 que estavam definidos, por decisão da diretoria e do Conselho Administrativo de Itaipu, para o ano de 1998 (e que não poderiam mais subir além disso).
No entanto, mesmo com 280 empregados a mais, o diretor-geral paraguaio diz que precisa fazer um processo seletivo externo para contratar mais.
A alegação é de que a Itaipu foi afetada pela redução do quadro próprio em áreas muito importantes, devido à “aposentadoria massiva de empregados”, e por isso essas carências em “atividades impostergáveis” hoje são cobertas por meio de horas extras, “com seus correspondentes custos”.
Outra alegação é que na margem direita há uma grande extesão de reservas e refúgios biológicos, de Hernandarias a Salto del Guairá, totalizando 63.678 hectares de bosques nativos, “as quais devem ser administradas e resguardadas por um plantel de segurança da entidade as 24 horas”.
Isto é, o quadro paraguaio vai aumentar ainda mais. O ano de 1998 ainda não chegou.