Abusos do EUA abalam orgulho pelos dias de resistência
Morador de Foz, Evaldo Buttura, 83 anos, fala da experiência vivida na 2ª Guerra Mundial.
Quando vejo os abusos dos EUA, não sei se tenho orgulho da resistência
Nascido em Verona, no norte da Itália, e naturalizado brasileiro. Agrônomo de formação e apaixonado pelas plantas medicinais, pela antropologia e pelas línguas, Evaldo Buttura, 83 anos, traz na memória a experiência vivida na 2ª Guerra Mundial. Poliglota, aprendeu 14 línguas entre elas o russo e o esperanto. A entrevista foi concedida ao programa Visões de Mundo, da jornalista Mônica Nasser, à época na Foztv (emissora a cabo), e agora integra o especial “Aniversário de Foz do Iguaçu”.
Memórias da 2ª Guerra Mundial
Meu Deus, pensando no que os outros fizeram, eu fiz muito pouco, mas deu para arriscar o couro, também. Quando estourou a guerra, o primeiro que foi convocado foi o papai. Quando me convocaram me deixaram em casa, pois eu era filho único. Com o fascismo, em 1943, novamente me chamaram para entrar no exército, mas como sempre fomos socialistas em casa, me escondi no campo. Depois uma blitz alemã me levou para um campo de trabalho. Consegui fugir, porque um deles me ajudou. Ele sabia bem o que era a guerra, por isso me ajudaram. Fui depois incorporado, como intérprete, ao 5º Exército Americano. Mesmo na guerra todos foram muito justos e humanos comigo. Lógico que a lei era curta e grossa, quem não obedecia era fuzilado.
Em 8 de setembro de 1943, os alemães ocupam a Itália e surgiu a resistência contra os alemães e os fascistas. Hoje, quando vejo os abusos dos americanos, 60 anos depois, não sei se tenho orgulho de ter feito parte da resistência. Nós, europeus, não temos nenhuma afinidade com os norte-americanos. Basta ver o que acontece. É um abuso atrás do outro. Quando eles percebem um governo que vai para esquerda, metem o bedelho. É um abuso de poder.
Tem que respeitar o próximo para ser respeitado.
Chegada ao Brasil
Vim por causa da guerra. Por uma causalidade vim ao Brasil. Logo trabalhei. Não me arrependo. Cheguei primeiro em Juiz de Fora (MG), depois fui para Porto Alegre (RS) e posteriormente fui para o norte do Paraná, trabalhar com café, mas o Juscelino acabou com o café. Na época, meu pai voltou para Itália, e eu fui plantar café no Paraguai, posteriormente vim a Foz do Iguaçu.
Trabalho
O socialismo é viável. Tem que haver um equilíbrio e não ficar todo dinheiro para o capitalista. Aqui no Brasil acontece isso (a concentração de renda). Acontece mais do que em outros países. Eu acho que isto é um hábito da época da escravatura.
Ainda existe escravidão?
Sim pior. O dono não tem prejuízo se morre um trabalhador, não perde nada. A mentalidade não acompanhou, por isto, existe esta luta de classes.
Paixão pelas plantas
Do trabalho de 11 anos na Itaipu Binacional surgiu a paixão pelas plantas. Em 1978, fui contratado pela Itaipu para fazer o acervo do Ecomuseu. Cataloguei mais de 1.200 espécies. Quando entrei para trabalhar na usina, havia um programa para montar o Ecomuseu. Então comecei com as plantas e com a Zoologia, um resgate da história da região. O que tinha no Ecomuseu foi todo um acervo feito por mim.
Trabalho no Paraguai e contato com os índios
Sempre tive muito interesse em antropologia e etimologia. Valeu para conhecer esta gente. Eu aprendi muita coisa na parte das plantas medicinais. Tive uma série de aulas de etnologia com os índios Avá-Chiripá. Aprendi muita coisa de plantas medicinais e aprendi certos macetes, como caminhar no mato, à noite, sem tropeçar (risos).
Lições importantes
Aprendi com os índios a viver com pouco ou quase nada. É aí que eu digo, a pessoa que nasce numa grande cidade, se não tem tudo, morre de fome.
Discípulo de Moisés Bertoni
O cientista suíço Moises Santiago Bertoni (1857-1929) estabeleceu-se às margens do Rio Paraná, e se dedicou à criação da família de 13 filhos e à pesquisa científica. Na pequena casa, hoje museu administrado pelos Serviços de Parques Nacionais do Paraguai, Bertoni estudou e publicou material sobre a etnografia dos guaranis, o idioma guarani, botânica, zoologia, entomologia, meteorologia, agricultura e biologia. Para publicar seus livros, ele organizou uma editora em casa e deu-lhe o nome latim de Ex-Sylvis, que significa “da floresta”. Bertoni morreu em Foz do Iguaçu, em 1929. Foi o descobridor de várias espécies vegetais. A mais famosa, a Stévia Rebaudiana Bertoni, uma planta com sabor adocicado conhecida no Paraguai como Ka’á he ‘en.
Não sabia nem fazer comparação com quem, porque o homem era completo e seriíssimo, um verdadeiro cientista. Entendia de botânica, medicina, astronomia, atmosfera, uma cultura vasta e tudo que ele escreveu demonstrou ser verdade. O que ele escreveu, no começo do século, está aparecendo hoje.
La natureza és el bien mas preciso que el hombre herdou, pero el mais perigoso. Destrói la natureza, que o homem apanha. Este livro foi escrito em 1905. Faltam cientistas como ele. É preciso mudar a mentalidade. O pessoal corre, mas é atrás do dinheiro.
Jesuítas no Paraguai/ Escravidão espiritual
Os jesuítas não eram ferozes, mas eles exploravam os índios. O índio é o homem mais livre que tem no mundo. Eles eram enquadrados em horários, escravizados.
Mudou muito. Hoje o próprio índio vende a madeira, antes ele não fazia isto. Entra de novo o interesse do dinheiro, é uma herança dos EUA que vivem apoiados em três palavras: dinheiro, negócio e investimento.
Maior lição de vida
Andar direito. Não preciso olhar para trás, não devo nada para ninguém, nunca prejudiquei ninguém, não sou um grande samaritano, mas quem procura ajuda, podendo ajudar, eu ajudo?
Grandes homens
Grandes homens. São tantos, um deles, Moisés Bertoni, nós já falamos. Ele transmitiu a cultura dele, deixou quase 500 livros. Acho que valeu, né?
(Mônica Nasser, especial para o H2FOZ – Imagens: Reprodução TV)