Agrotóxico e câncer de mama: estudo da Unioeste ganha projeção

Pesquisa coordenada pela professora Carolina Panis, na região de Francisco Beltrão, foi publicada na prestigiada revista The Lancet

Uma professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) ganhou projeção internacional por ser a primeira cientista do mundo a evidenciar a relação entre agrotóxicos e câncer de mama.

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A pesquisa, de autoria da professora doutora Ana Carolina Panis, foi tema de um editorial da prestigiada revista The Lancet, periódico científico da área médica de respaldo internacional.

Bioquímica, Carolina é docente do curso de Medicina do campus da Unioeste em Francisco Beltrão. Especializada em pesquisa na área do câncer, quando chegou ao Sudoeste do Paraná, região marcada pelo agronegócio, ela entrou em contato com mulheres agricultoras e iniciou o estudo, que hoje se tornou referência.

Professora Ana Carolina
Docente tem formação em bioquímica e pesquisa o câncer. Foto: Divulgação

A pesquisa é resultado da parceria entre a Unioeste e o Departamento de Saúde Global da Universidade de Harvard em Boston, nos Estados Unidos, onde a docente é pesquisadora visitante desde 2019.

Uma história que definiu uma carreira

O estudo teve início em 2014, quando Carolina começou a trabalhar na Unioeste. Ela já desenvolvia pesquisas relacionadas ao câncer em áreas urbanas, mas em Francisco Beltrão observou que havia um componente diferente que era o agrotóxico.

A pesquisa começou com um estudo exploratório feito para conhecer o perfil de quem portava câncer de mama na região de Francisco Beltrão. Foi aí que a presença dos agroquímicos na vida das mulheres chamou atenção.

A professora começou a conversar com as pacientes e notou que, de dez mulheres portadoras de câncer de mama, sete eram agricultoras. “Essa história definiu minha carreira”, diz.

alunos unioeste
Estudantes também integram grupo de pesquisa. Foto: Divulgação Unioeste

Após a constatação, Carolina recorreu à literatura científica em busca de artigos que trouxessem informações comprovando ou relacionando o câncer de mama e os agrotóxicos, mas para a surpresa dela nada foi encontrado.

Botinas e pés na estrada

A partir da constatação feita, a professora pegou as botinas e saiu em busca de mulheres nas propriedades rurais. Ela ia às casas para tomar café com elas e conversar. Assim, observou que as mulheres eram agricultoras, porém não aplicavam agrotóxico nas lavouras, tarefa restrita aos filhos e maridos.

Por esse fato, muitos cientistas achavam que as mulheres não eram expostas ao agrotóxico. Mas a história não é bem assim.

Professora Ana Carolina Panis
Estudo demonstrou o vínculo entre o agrotóxico e o câncer de mama. Foto: Divulgação Unioeste

Durante as visitas, a professora teve a oportunidade de ver os maridos chegarem da lavoura e colocarem no tanque a roupa usada para aplicar agrotóxico. E caberia à esposa lavar. Elas lavavam, sem luvas, camisas e calças contaminadas.

Os agricultores usavam EPIs, que são equipamentos de proteção, contudo isso não impedia a contaminação das roupas internas. Ao notar o contato direto das esposas com as roupas, a professora decidiu coletar urina e sangue delas. Foi aí que constatou a presença de glifosato, atrazina e 2,4 D diclorofenoxiacético no organismo das mulheres.

Com isso, houve a comprovação de que, ao lavar as roupas dos maridos, as esposas absorviam o agrotóxico no corpo. Os três pesticidas encontrados são os mais comuns usados na Região Sudoeste, cujo consumo de agrotóxico está acima da média nacional, a exemplo do que ocorre no Oeste. Os produtos são muito utilizados nas lavouras de soja e milho.

No Sudoeste, o índice de câncer de mama, o que mais acomete as mulheres, é 40% maior que no restante do país.

Mulheres expostas e não expostas ao agrotóxico

A partir da constatação, a cientista comparou em um grupo de mulheres portadoras de câncer de mama as que são expostas e não expostas ao agrotóxico.

Com isso, ela pôde confirmar que as agricultoras tinham um tipo de câncer de mama mais agressivo e maior risco de metástase, cuja consequência é menos chance de sobrevida.

“Nós temos uma função perante a sociedade e temos que pensar que alguém tem que trazer uma resposta”, frisa a pesquisadora.

O estudo envolveu dados de 758 mulheres de toda a Região Sudoeste do Paraná. As mulheres expostas aos agroquímicos são as agricultoras, e as não expostas, aquelas que vivem na área urbana, sem contato com as atividades do campo, ou seja, não têm histórico de exposição aos agrotóxicos, não manipulam, não lavam roupa e não vivem na área rural.

Elas são mães e têm uma enorme preocupação

As mulheres são mães e têm enorme preocupação em saber o que está acontecendo, diz Ana Carolina. Após verificar a relação entre o agrotóxico e o câncer de mama, teve início um trabalho de toxicovigilância e educação.

Assim, começaram a ser realizadas oficinas. Nesse trabalho foram colhidos mais relatos. Algumas mulheres disseram ter dores de cabeça, sentir forte cheiro e até vomitar quando os maridos aplicavam agrotóxicos na lavoura.

Com informações em mãos, os pesquisadores começaram a recomendar que as agricultoras usassem luvas de borracha, que custam R$ 3,80, para lavar as roupas. O próprio projeto de pesquisa passou a distribuir as luvas e óculos de proteção a partir de recursos do governo estadual e parceiros privados.

As mulheres também passaram a ser aconselhadas a procurar acompanhamento médico caso o exame de coleta de urina apontasse a presença de agrotóxico.

A professora diz que a pesquisa continua e na próxima década o objetivo é tentar estabelecer quais níveis e quais tipos de agrotóxicos têm relação com o câncer de mama.

O grupo de pesquisa envolve 32 alunos ligados à medicina – graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. 

Reconhecimento Internacional

O trabalho foi publicado em um editorial da revista The Lancet em janeiro deste ano, após Ana Carolina e o grupo publicarem um artigo na revista Enviromental Science & Techonology, com o título Exposure to Pesticides and Breast Cancer in na Agricultural Region in Brazil (Exposição a Agrotóxicos e Câncer de Mama em Região Agrícola do Brasil).

Confira os artigos:

Pesticide exposure and increased risk of breast cancer for women in rural Brazil – The Lancet Oncology
https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(24)00726-5/abstract

Exposure to Pesticides and Breast Cancer in an Agricultural Region in Brazil | Environmental Science & Technology
https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.est.3c08695

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