Trabalhadores encontram nos semáforos de Foz um meio de ganhar a vida

Ambulantes enfrentam o trabalho informal para garantir o sustento familiar com dignidade.

Ambulantes enfrentam o trabalho informal para garantir o sustento familiar com dignidade. E sobra tempo para uma lição: ‘um bom-dia muda a vida’.

Não há quem passe de carro no semáforo entre as avenidas República Argentina e Paraná, em frente à área do batalhão, sem notar a presença da mulher que vende pacotes de chips de mandioca e musse. Há seis anos em Foz do Iguaçu, Vandernadja Silva de Paula não chega a oferecer seus produtos, compartilha o largo sorriso e um retumbante “bom dia, bom dia, bom dia!”.

Não se trata de formar um contexto idealizado do trabalho informal, duro, sem direitos sociais e carregado de riscos. Mas são registros obrigatórios da expressividade e do carisma da pernambucana de Recife, que aos 54 anos é uma entre tantos trabalhadores que encontraram nos semáforos iguaçuenses uma frente para ganhar o pão de cada dia e garantir o sustento familiar dignamente.

A ambulante é a face humana das estatísticas frias sobre o aumento das dificuldades de sobrevivência entre os estratos populares por causa da covid-19. Vandernadja perdeu o trabalho na Lar Cooperativa, pouco antes da pandemia, e não mais encontrou emprego com carteira assinada. Investiu os recursos que tinha em dois carrinhos de açaí, porém não deu certo. Sobrou o semáforo.

Há um ano, a ambulante chega às 9h e volta para a casa depois das 15h. Sob o Sol e intempéries, intercala os dias em que vende mandioca-chips e a musse, que é gourmet, faz questão de frisar. “São duas em uma, pode ser servida como musse ou, se deixar na geladeira, vai virar sorvete”, divulga. Os produtos são feitos por ela mesma, “às vezes, de madrugada”.

Paçoca caseira e frutas em semáforo da região central – Foto: Marcos Labanca

“As pessoas passam aqui com a expressão abatida e precisam de uma palavra de carinho, de ouvir que tudo vai dar certo no dia delas. Um bom-dia muda a vida. O meu bom-dia é para alegrar”, conta. “Todo mundo tem problemas, mas não adianta ficar reclamando. Ainda mais agora que é primavera e tudo está florindo”, ensina, recolocando o sorriso.

O nome Vandernadja, a propósito, foi escolhido a partir de um entendimento entre seus pais para contemplar dois ídolos, da cultura e do esporte. A mãe era fã do cantor brasileiro Wanderley Cardoso, um dos expoentes da Jovem Guarda; o pai admirava a icônica ginasta romena Nadia Comăneci.

Atuante na categoria

Iguaçuense nascido na antiga Santa Casa, Ivan da Silva, de 54 anos, mora no Jardim São Roque com a filha e duas netas pequenas. O dinheiro da aposentadoria não é o suficiente para o sustento, o de sempre: comida, água, luz e remédios. Há cerca de duas décadas é ambulante. No semáforo do terminal de ônibus, vende alho, frutas e verduras, de morango a jabuticaba.

Antes de ir para o sinaleiro, trabalhava na área de acesso ao Parque Nacional do Iguaçu e Parque das Aves, onde vendia itens de utilidades para turistas. Cadeirante há 22 anos, na pandemia ficou cerca de seis meses sem poder trabalhar. Integrante de uma associação de ambulantes de Foz do Iguaçu, é crítico da atuação do poder público na fiscalização a esses trabalhadores.

Ivan da Silva vende alho, frutas e verduras no sinaleiro do TTU – Foto: Marcos Labanca

Há dois anos, após uma ação de fiscais da prefeitura em um semáforo, que ganhou repercussão e foi condenada por grande parte da comunidade pela forma e pela implicação social, Ivan também levantou a sua voz. Ele foi um dos representantes da categoria a falar na audiência pública da Câmara de Vereadores que tratou do tema.

Ao abordar a informalidade e o trabalho nos semáforos, é taxativo: “Com esse desemprego? Com pandemia? Milhões de pessoas estão sem emprego no país”, assevera. “A única alternativa para muita gente é fazer um pão, um bolinho, e sair vender por aí para a família não passar fome”, analisa Ivan da Silva. Em sua percepção, houve aumento do número de vendedores nos sinaleiros. “Cresceu principalmente a quantidade de ambulantes paraguaios”, avalia.

Se o turismo confirmar a retomada econômica e a pandemia for superada, o vendedor pretende voltar a seu público anterior. “Ainda está fraco o movimento de turistas, por enquanto, por causa da pandemia. Se as coisas melhorarem, quero voltar a trabalhar na região das Cataratas novamente [perto do acesso ao parque]”, sublinha.

Trabalho desde as 5 horas

O último trabalho “fichado” de Rosângela Assis foi de ajudante de cozinha em um restaurante. Nos últimos anos, ganha o sustento ao lado do marido, “Lalo”, no semáforo entre as avenidas JK e República Argentina. A labuta diária começa cedo, às 5h, para pegar produtos de qualidade na Ceasa.

Feitas as compras, o casal volta para a casa, ao café matinal, até rumar para o sinaleiro a pé, por um trajeto que dura cerca de 20 minutos, com dois carrinhos de supermercados cheios dos itens do dia. Rosângela mora no Jardim América e tem 42 anos. À clientela que passa de carro ou ônibus, vende frutas, quiabo, mel, erva de tererê e morango, alguns dos itens principais do momento.

A jornada de Rosângela começa com as compras cedinho na Ceasa – Foto: Marcos Labanca

No semáforo, fica das 9h às 18h. O dinheiro que o casal ganha alimenta a família de seis pessoas – a criança mais nova tem 7 anos; e a mais velha, 12. Também inclui o aluguel mensal de R$ 600. Ela diz que ser autônoma tem vantagens. “A liberdade”, enfatiza. “Antes, tinha vergonha. Mas agora não quero voltar a trabalhar empregada. Muitos clientes são fixos e nos reconhecem em outros lugares”, revela.

A parte negativa do trabalho no semáforo é a deseducação de uns poucos. “Algumas pessoas ‘metidas a bestas’ passam com seus carrões e não nos respeitam, desfazem da gente e até riem”, reporta Rosângela Assis, enquanto organiza os produtos que serão comercializados na longa jornada.

“Lalo”, esposo de Rosângela, na labuta diária – Foto: Marcos Labanca

Travessia diária

Para alimentar os três filhos, todos pequenos, Elizabeth Nunes, de 26 anos, cruza a Ponte da Amizade todos os dias para vender chipa no semáforo das avenidas Paraná e República Argentina, na Vila Maracanã. Ela mora em Presidente Franco, no Paraguai, e vem para Foz do Iguaçu de ônibus. Às 6 horas está no posto, onde permanece até depois do meio-dia.

Elizabeth realiza trabalho intenso para sobrar R$ 50 por dia – Foto: Marcos Labanca

Ela conta a sua história dizendo que trabalhava em casa, no âmbito doméstico, até separar-se do ex-marido. “Agora trabalho no semáforo porque preciso”, ressalta. “Com o dinheiro daqui, consigo comprar mais no Paraguai e cuidar dos meus três filhos.” Segundo Elizabeth, suas vendas chegam a cerca de R$ 200. Após pagar o produto, as passagens e outros gastos, sobram-lhe aproximadamente R$ 50 diariamente.

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