Sem acreditar no jogo de empurra e nas promessas do meio político, comunidade enxerga solução na própria força e em ação da Justiça.
Quem ergue um barraco para morar sob todas as incertezas de futuro e precariedades tem a esperança como um sentimento intrínseco. É por isso que angústia e expectativa podem ser os termos mais adequados para descrever o momento dos moradores da Ocupação Bubas, que cobram do poder público a imediata regularização fundiária da área em que vivem.
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A ocupação completa nove anos, com os primeiros lotes e barracos instalados no dia 5 de janeiro de 2013, segundo o resgate feito pela diretoria da Associação de Moradores do Bubas (Amobuba). Mesmo com a presença policial, em 48 horas já eram centenas de pessoas. Em seus documentos, a Justiça tem o dia 13 como “nascimento” do povoado.
Na área de 40 hectares, que fica no Grande Porto Meira, Região Sul de Foz do Iguaçu, há 1,8 mil famílias e moradias cadastradas pela associação, que estima corresponder a mais de dez mil pessoas, tida com a maior ocupação urbana do Paraná. Para que os moradores tenham acesso a serviços públicos como escola, saúde, bancos e previdência, a entidade emite um comprovante de moradia.
Além da fragilidade das habitações, os moradores enfrentam as agruras da falta de infraestrutura, como ruas de terra, ausência de saneamento e energia elétrica ligada pela própria comunidade, que cai constantemente. A falta de emprego também é um problema presente, que aflige muitas famílias que não têm outra escolha senão a informalidade.
“Mas o que queremos mesmo, agora, é a regularização fundiária”, enfatiza a presidente da Amobuba, Maria Lúcia Batista. “Já tivemos o nosso direito à moradia reconhecido pela Justiça, daqui ninguém mais sai. É preciso que prefeitura e estado façam a sua parte e parem de empurrar a responsabilidade. Falta interesse político”, aponta Maria.
A aposta da líder comunitária é na força da comunidade e na ação da Justiça para a regularização da Ocupação Bubas. Ela lembra a recente audiência pública sobre o tema, realizada pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em que diferentes atores públicos empenharam apoio, assim como o programa Moradia Legal, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).
“O Tribunal de Justiça já decidiu que os herdeiros do antigo proprietário da área sejam indenizados. Falta a prefeitura e o governo estadual se entenderem”, frisa o vice-presidente da Amobuba, Ronaldo Soares. “Estamos confiantes que com a atuação dos desembargadores [do TJPR] e na união dos moradores que vamos conseguir a regularização”, frisa.
A prefeitura defende que a regularização deve ser feita pelo Judiciário para iniciar as melhorias urbanas na ocupação, e que a indenização aos herdeiros seja custeada pelo Governo do Estado. A gestão estadual quer que o município contribua na indenização.
O Tribunal de Justiça sustenta que o programa Moradia Legal é um instrumento capaz de efetivar a regularização fundiária em tempo breve, a exemplo do que já vem ocorrendo em outras localidades. Mas, para sua execução, é necessário que o poder público sinalize o pagamento indenizatório previsto no processo judicial.
Prefeitura, estado e TJ reunidos
Ausente na audiência pública da Alep sobre a regularização fundiária da Ocupação Bubas em outubro – tendo sido representado por secretários –, o prefeito Chico Brasileiro se reuniu no mês passado com o governador Carlos Massa Ratinho Junior e desembargadores do TJPR. Na pauta, a titularidade dos imóveis por meio programa Moradia Legal, da Justiça.
“O objetivo foi exatamente reunir o Poder Judiciário para buscar a melhor forma de trabalhar a regularização dos imóveis às famílias que moram no Bubas”, diz Chico Brasileiro, por meio da Agência Municipal de Notícias. De acordo com o prefeito, o governador manifestou interesse na regularização.
Empréstimo de R$ 500
Ao retornar a Foz do Iguaçu, de Santa Catarina, para onde tinha ido em busca de trabalho, Judite Simões de Góes foi morar na Ocupação Bubas em 2014. Ela fez um empréstimo de R$ 500 do pai para construir sua casa simples de madeira, valor que foi pago parceladamente. Na época, conta, o número de moradores era menor.
Desempregada depois de perder o seu último trabalho como merendeira, no final do ano passado, Judite mora com o filho adolescente e o esposo, e tem na ponta da língua o que é mais urgente para a comunidade: regularização. “É um descaso do governo com a gente, porque isso já poderia ter sido resolvido”, avalia.
Ela diz gostar de morar no Bubas e afirma que a comunidade é unida, solidária e organizada. “Aqui é meu lugar, mesmo minha casinha sendo simples e cheia de goteiras”, sublinha, explicando que ganhou telhas usadas após os estragos em sua casa no temporal de 7 de setembro de 2015, o qual danificou as moradias da ocupação.
“Vida do zero”
Em 2015, Francisco Severino da Costa trocou o Ceará por Foz do Iguaçu, em busca de melhores oportunidades. Percorreu alguns bairros até fixar-se no Bubas com uma moradia precária e apertada, dividida com seu pequeno comércio. Na casa, só cama, fogão, TV e geladeira; na venda, secos e molhados de primeira necessidade.
A mercearia cresceu, sua estrutura foi ampliada e hoje conta com uma ampla variedade de produtos. O comerciante, conhecido na comunidade como “Ceará”, pôde comprar uma casa nos fundos do comércio, “à prestação”, assevera. “Foi muita peleia e trabalho nesse tempo. Mas voltar para o Ceará, só se for a passeio”, declara.
“Aqui, começamos a vida do zero, deixando tudo para trás. Era frio. Tínhamos que guardar a água até para tomar banho, todos os dias”, rememora. “No Bubas, trabalhamos e tiramos o sustento da família e acreditamos que as coisas vão melhorar ainda mais para todos os moradores”, projeta Francisco.
Antecedentes
Em meados de 2014, integrantes da Escola Popular de Planejamento da Cidade – estudantes e professores vinculados à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) – e das Brigadas Populares desenvolveram atividades em conjunto com a comunidade. Entre os trabalhos organizativos, foi feita a definição dos nomes das ruas e a numeração das casas, cadastros e outras iniciativas.
Em 2017, o juiz Rogério Vidal Cunha, da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu, indeferiu a liminar a favor da reintegração de posse da ocupação, impedindo a retirada dos moradores. Na época, o magistrado afirmou que retirar as famílias “seria anular por completo o seu direito humano fundamental à moradia”, sentenciou. O TJPR confirmou mais tarde a decisão.
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