Obra no Colégio da Polícia Militar, o antigo Mitre, expõe ausência de preservação do patrimônio da cidade

Pedido para tombamento do bem tramita há mais de dois anos. Direção da escola diz que construção é para oferecer acessibilidade.

Pedido para tombamento do bem tramita há mais de dois anos. Direção da escola diz que construção é para oferecer acessibilidade.

Leitores do H2FOZ questionaram uma obra que está sendo realizada na frente da fachada do Colégio da Polícia Militar de Foz do Iguaçu (5º CPM), voltada para a Praça das Nações. É que o prédio remete à memória do município, pois abrigava o Colégio Bartolomeu Mitre. A crítica é quanto à descaracterização do prédio histórico.

Com suas classes frequentadas por gerações de iguaçuenses, a escola foi criada nos anos 1920. Passou a ser chamada Bartolomeu Mitre em 1944 e ganhou a sede na Avenida Jorge Schimmelpfeng em 1952, até sua extinção para dar lugar ao CPM. Em 2019, a Fundação Cultural de Foz do Iguaçu recebeu pedido para reconhecer o bem como patrimônio cultural.

O capitão Eliseu Gonçalves, subcomandante do Colégio da PM, relatou que a construção é de uma rampa. “Está sendo realizada acessibilidade para a comunidade escolar”, disse. “Até então, inexistia qualquer tipo de acessibilidade nessa entrada do colégio, e isso [construção] se faz necessário”, afirmou.

Conforme a direção do Colégio da Polícia Militar, obra é para a acessibilidade – Foto: Marcos Labanca

Desde o período do Mitre, o fluxo de entrada e saída dos estudantes é pelo acesso lateral, na Rua Marechal Floriano. “A entrada pela Marechal é destinada para a entrada e saída dos alunos, no horário específico para tanto. O acesso pela Jorge Schimmelpfeng é utilizado durante o dia todo por todas as demais pessoas”, descreveu o subcomandante.

O capitão Eliseu negou haver descaracterização do prédio histórico. Para ele, a obra remete “simplesmente à necessária acessibilidade” a quem vai à escola. “O Colégio da Polícia Militar tem se empenhado, zelando e valorizando, pela preservação histórica e cultural desse estabelecimento de ensino”, declarou.

Questionado se a direção do Colégio da PM obteve autorização de órgãos municipais para executar a obra, já que tramita o pedido de tombamento do bem, o militar apontou que a instituição é estadual. Por isso, prosseguiu, “sem qualquer tipo de vínculo junto aos órgãos municipais”.

Entrada de alunos não é realizada pelo  acesso de frente para a Praça das Nações – Foto: Marcos Labanca

Lei garante a conservação já no pedido de tombamento

A Lei Municipal nº 4.470, que rege a política de proteção do patrimônio cultural e histórico de Foz do Iguaçu, garante a conservação dos bens já na abertura do procedimento do tombamento. Em seu artigo 18, frisa que o “bem em exame terá o mesmo regime de preservação do bem tombado, até a deliberação final do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (CEPAC)”.

A reportagem indagou se a direção do 5º CPM recebeu pedido de informação de algum órgão da prefeitura destinado à instrução do processo de reconhecimento do bem como patrimônio cultural. “Em nenhum momento, o Colégio da Polícia Militar foi informado de tal processo de tombamento do prédio dessa instituição de ensino”, assegurou Eliseu Gonçalves.

Consulta à lei municipal também conduz ao artigo 16, em que a legislação estabelece que o pedido de tombamento deverá ser notificado por escrito ao responsável pelo bem. O representante do Colégio da PM repetiu a resposta anterior integralmente, declarando que a instituição não foi comunicada acerca de processo de tombamento.

Descaracterização acelerada do antigo Mitre

A Comissão de Preservação e Fiscalização do Patrimônio Cultural do CEPAC pediu providencias à Fundação Cultural sobre a obra empreendida pelo colégio militar. Para os conselheiros, há “descaracterização acelerada do antigo Colégio Estadual Bartolomeu Mitre”, em desacordo com a lei do patrimônio cultural e ao pedido de tombamento que consta do processo nº 8075/2019.

Comissão de Preservação e Fiscalização do CEPAC pediu a suspensão da obra – Foto: Marcos Labanca

Conforme José Luiz Pereira, integrante da comissão do CEPAC, o pedido ao poder público é para a suspensão da obra e apuração de eventuais responsabilidades. “Nosso relatório reúne fotos e embasamento legal. Foi entregue para a Fundação Cultural tomar as medidas necessárias”, ressaltou.

Uma questão de memória

“Uma cidade sem passado” é o título de um filme alemão que refaz o percurso da memória de uma comunidade, mas que bem pode retratar a política de preservação da história de Foz do Iguaçu. Patrimônio de valor histórico não falta, a ausência é de ações efetivas do poder público.

Em fevereiro de 2019, antes da extinção do Colégio Bartolomeu Mitre, o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) protocolou pedido de tombamento do colégio à Fundação Cultural. Essa autarquia é responsável pela execução da política de patrimônio, inclusive por elaborar os processos para tombar bens, para a então deliberação do CEPAC, o conselho do patrimônio.

O pedido de proteção feito pelo CDHMP pede a proteção da “estrutura física e arquitetônica do Colégio Mitre, da bandeira, do dístico em bordô e branco e de todo o conjunto de materiais, objetos, documentos e símbolos que remetem à história da escola”. Dois anos depois, a solicitação aguarda efetividade.

Em dezembro de 2018, professores do antigo Bartolomeu Mitre protestaram contra o processo de extinção do colégio – Foto: Reprodução

No primeiro ano do pedido, a tramitação percorreu o setor técnico da administração municipal e o CEPAC, informou a prefeitura em nota. “O processo foi encaminhado para o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural e, na sequência, para o setor técnico, responsável pela instrução técnica do tombamento”, diz o comunicado.

Nessa área, foram feitos levantamentos geográficos, históricos e arquitetônicos do imóvel, expõe o município. “O parecer do setor foi recebido pela Fundação Cultural, com o indicativo de que o processo deveria ser encaminhado ao Governo do Paraná para avaliação da Coordenadoria de Patrimônio, em virtude de ser um prédio pertencente ao Estado. O ofício foi encaminhado em 17 de janeiro de 2020”, continua a nota.

Pedido de tombamento do bem tramita há mais de dois anos – Foto: Marcos Labanca

Após início da obra, Fundação Cultural solicita informações

Portanto, de janeiro de 2020 até o presente momento, nada aconteceu no município. Na nota à reportagem, a prefeitura relata que nesta semana a Fundação Cultural solicitou ao Governo do Estado informações sobre o andamento do processo. “Em paralelo, nesta quarta-feira (05) foi feita uma reunião entre a Prefeitura de Foz do Iguaçu e a direção atual do colégio.”

Na próxima semana, segundo a administração, uma nova reunião deverá ser marcada. O objetivo dessa conversa será o de “encontrar alternativas para manter as características originais da fachada do imóvel”, conclui a nota da Prefeitura de Foz do Iguaçu.

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