Saiba o que é racismo recreativo: não tem graça, machuca e é crime

O promotor de justiça Felipe Lyra da Cunha explica em que consiste a prática e as consequências criminais dela.

O racismo estrutural busca “suavizar” algo grave na sociedade que é a discriminação racial. Assim, o promotor Felipe Lyra da Cunha, do Ministério Público do Paraná (MPPR), homem negro, introduz a explicação e as consequências criminais dessa prática, ainda frequente no ambiente de trabalho, na escola, nas famílias e em grupos de amigos.

EDITORIAL – Dia da Consciência Negra: eliminar o racismo é dever de toda a sociedade

Ele deu entrevista ao programa MP no Rádio, no âmbito do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), data de reflexão e mobilização que faz alusão a Zumbi dos Palmares. Além de ofender e machucar as pessoas negras, o racismo recreativo é punível como crime e pode levar as pessoas à prisão.

São “piadas e brincadeiras, inclusive em programas humorísticos, que retratam o negro de uma forma pejorativa, caricata, negativa, as inferiorizando, como se a pessoa negra fosse um ser humano de segunda classe”, detalha. Essas posturas querem fazer crer que são “brincadeiras inofensivas, quando na verdade não são”, completa o promotor.

Praticado de forma sistemática, como ocorre na sociedade brasileira, o racismo recreativo tenta transmitir uma falsa imagem, criando estereótipos. “Passa uma mensagem inverídica, como se pessoas negras fossem inaptas ou menos qualificadas para determinado tipo de serviço ou atividade, o que é muito grave”, diz o operador da Justiça.

“O racimo recreativo faz parte do mito da democracia racial”, reflete Felipe Lyra da Cunha. “Entendo que funciona como uma peça, uma engrenagem daquilo que nós chamamos de racismo institucionalizado, que é a manutenção de um sistema desigual do ponto de vista racial”, salienta.

Promotor Felipe Lyra da Cunha – Foto: Divulgação/MPPR

O membro da promotoria paranaense explica que o conceito é baseado em livro de Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado pela Universidade de Harvard (Estados Unidos). A compreensão de que o racismo recreativo é crime está consagrado no ambiente jurídico, podendo ser considerado injúria ou racismo.

A obra foi escrita a partir da análise de dezenas de decisões judiciais que absolveram réus em que juízes entenderam como brincadeira, não crime, a prática execrável. Indignado, Adilson Moreira iniciou os estudos, mergulhou em pesquisas e escreveu o livro, que virou referência para compreensão da prática e de amparo em processos judiciais.

O livro “é uma forma também de se contrapor a essa ideia, inclusive existente no sistema de justiça, de que racismo pode ser entendido como simples brincadeira, desprovida de poder lesivo”, analisa o promotor Felipe Lyra da Cunha. “Na verdade, racismo [recreativo] é crime, e o autor dessa prática deve ser responsabilizado”, prossegue.

“A depender da situação concreta, pode ser crime de injúria ou racismo – Lei n.º 7.716/89. Ambos são crime inafiançável”, relata. Segundo o promotor, caso de injúria prevê pena de um a três anos, podendo triplicar se o ato foi potencializado nas redes sociais, e de racismo a detenção vai de dois a cinco anos. Nas duas circunstâncias há multa.

O que fazer

Denunciar é a orientação do promotor Felipe Lyra da Cunha, tanto para vítimas de racismo/injúria quanto da parte de quem presencia esses ataques. “O negro é sim a vítima direta de um ato racista, mas o racismo em si é um mal de toda a sociedade. Quando você se omite, está deixando de adotar práticas antirracistas que vão coibir a reiteração daquele racismo”, frisa.

Para denunciar:

  • Disque 190: Polícia Militar – no momento da prática racista.
  • Delegacia de polícia: registro da ocorrência para instauração de investigação, caso a situação já tenha acontecido (mesmo após vários dias).
  • Ministério Público: todo caso de racismo ou injúria pode ser relatado à promotoria na cidade em que a pessoa mora.

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