Foz do Iguaçu, cidade multicultural desde a origem
Quando aqui chegaram, os fundadores da Colônia Militar do Iguaçu encontraram gente de várias nacionalidades – incluindo brasileiros.
Foz do Iguaçu, 9 de junho de 2024.
Corria o ano de 1889. Uma expedição partiu de Guarapuava para fundar a Colônia Militar do Iguaçu e marcar a presença do Brasil nos confins de um território que era seu desde 1750, quando Portugal e Espanha definiram os rios Paraná e Iguaçu como parte de suas fronteiras coloniais na América do Sul.
Leia também:
Relatório aponta o número de nacionalidades em Foz do Iguaçu
Participante da expedição, José Maria de Brito relatou, em seu livro de memórias, que “por ocasião da descoberta da foz do Iguaçu, o território brasileiro já era habitado. Existiam no mesmo 324 almas, assim descritas: brasileiros, 9; franceses, 5; espanhóis, 2; argentinos, 95; paraguaios, 212; inglês, 1.”
Escrita no final da década de 1930, a obra, intitulada Descoberta de Foz do Iguaçu e Fundação da Colônia Militar (há uma edição da Travessa dos Editores, de 2005), registra também os nomes de alguns desses moradores, conforme documentos de 1907:
Ignacio Martínez, paraguaio, “pai de 11 filhos”.
Joana Roza Penna Oscental, que “já residia aqui quando se fundou a colônia”.
Manuel Zeferino do Nascimento, “colono militar desde o princípio da colônia”.
Manoel Gonçalves, espanhol, “que aqui mora há vinte e tantos anos”.
Emilia Roberto, alemã, “viúva, aqui mora há uns 19 anos”.
Amâncio Schwartz, “brasileiro, colono militar, aqui reside há perto de 30 anos”.
Os “perrengues” mais comuns dos colonos eram disputas por terras, devido à falta de demarcação dos lotes. Era corriqueiro, por exemplo, alguém mais “chegado” ao poder invadir a terra teoricamente alheia para derrubar madeira, extrair mate e intimidar o vizinho mais fraco, com base na “lei do mais forte”.
Já uma das histórias mais curiosas contadas por José Maria de Brito é a do italiano Geraldo Pedrini, que trabalhava em uma olaria. Sabe-se lá por qual motivo, Pedrini apostou corrida a cavalo com o Sargento Pimenta, então manda-chuva da colônia. Pimenta perdeu a disputa e não pagou. Pedrini não deixou barato.
“Em regozijo de haver ganho, [Pedrini] enfeitou seu cavalo pondo-lhe umas fitas e saiu a passeio com mais dois companheiros, e que vistos pelo senhor Sargento Pimenta, foram por sua ordem presos, sendo depois expulsos do país. Passando então para o Paraguai, [Pedrini] foi obrigado a dispor do cavalo e de tudo o que tinha, no que teve prejuízo e só voltou à colônia depois da chegada do atual diretor”, relatou o escriba.
Nas décadas seguintes, outros sobrenomes somaram-se à população de Foz do Iguaçu, como o alemão Schimmelpfeng do primeiro prefeito e tantos outros sobrenomes hispânicos, germânicos, brasileiros, italianos e das mais diversas origens, que contribuíram para a expansão da cidade ao longo do tempo.
Uma passada de olhos em uma lista telefônica dos anos 1990, por exemplo, revela grande quantidade de sobrenomes árabes e orientais, no movimento ligado à expansão do comércio na fronteira.
Se as listas telefônicas ainda existissem, veríamos, hoje, presença cada vez maior de nomes hispânicos, como parte das migrações recentes de venezuelanos, colombianos, peruanos e tantos outros, que saíram de seus países por dificuldades ou atraídos por instituições como a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Recentemente, o H2FOZ publicou relatório da Polícia Federal (PF) que mostra que Foz do Iguaçu recebeu, entre 2010 e 2022, moradores de 95 nacionalidades, com destaque para paraguaios (7.254), venezuelanos (1.668), argentinos (1.224), libaneses (1.080) e colombianos (720).
Com todo esse histórico de multiculturalidade, é inadmissível pensar que situações de xenofobia, que vão desde “piadas” de mau gosto a ofensas diretas e agressões, possam existir em um ambiente diversificado desde a origem.
Foz do Iguaçu, na fronteira com dois países, precisa reconhecer-se tal como é: uma cidade brasileira, sim, culturalmente enriquecida pela contribuição de povos de todas as partes do globo.
O H2FOZ apoia e acredita no valor dessa diversidade, que faz da Terra das Cataratas um lugar tão único e singular.
Em tempo: acesse os conteúdos do caderno especial dos 110 anos de Foz, com novidades todos os dias, até o fim do mês – https://www.h2foz.com.br/especial/foz-110-anos/.
Boa leitura e obrigado pela companhia!
Morador de Foz do Iguaçu desde 1988, Guilherme Wojciechowski é repórter do H2FOZ.
Comentários estão fechados.